segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Apertem os cintos


Viajar de avião já foi um luxo. Era quase um acontecimento sobrenatural ter alguém na família que tivesse voado. Isso   elevava tal pessoa  à  categoria de ídolo. Fosse um tio, ou um primo que morasse no exterior, ou algum lugar distante, a experiência deles no ar virava assunto de final de ano ou tema importante em qualquer reencontro. Voar era para os pássaros, e alguns um pouco mais endinheirados.

Hoje isso mudou. Os aeroportos estão parecidos com rodoviárias e, em alguns casos, piores que algumas paradas de ônibus. Atolados de gente, com voos a toda hora e para qualquer lugar, lamentavelmente eles não evoluíram. Os usuários também não. E pior, os funcionários e empresas de aviação idem. Portanto, viajar de avião está muito longe de ser uma experiência agradável. As filas enormes, a falta de conforto, a inexperiência e falta de aptidão de trabalhadores mal pagos e mal treinados, e a incrível falta de educação da maioria, tem transformado as viagens de férias em aventuras trash.

Só uma coisa continua dando a impressão de que voar é para os ricos: os preços cobrados nas praças de alimentação. Que de praça não tem quase nada e de alimentação muito pouco.

Copos d’água podem custar quatro reais, um pão com presunto e queijo batizado com qualquer nome inglês ou francês chega a 18. Para poder tomar uma geladinha ou um choppinho, enquanto se espera aquela conexão que levará mais de cinco horas, o cidadão precisa de uma boa conta ou um senhor crédito no cartão E corra logo com o pedido, pois tem muita gente faminta atrás de você e todos estão presos no mesmo lugar e querem comer, mesmo que o valor pago seja o igual ao de uma compra no supermercado.

Sair a retornar também é perigoso e caro. Táxis de aeroportos, em muitos lugares do Brasil, utilizam um preço único para a viagem ao centro das cidades. Mesmo que isso seja proibido. Aliás, o copo d´água cujo preço já deve ter aumentado enquanto escrevo, deveria ser proibido também. Parece até que é, mas quem deveria investigar, fiscalizar, criar mecanismos para mudar isso deve estar viajando neste momento. E possivelmente seu lanche será pago com dinheiro dos nossos impostos. 


Portanto, comece a levar uma marmita nas próximas viagens. Ninguém vai se escandalizar, já que a geração farofa viaja pela  mundo sem medo de abrir a tampa. Se ela apitar quando passar no detector de metais fale a verdade. Diga aos fiscais que você trouxe comida de casa. Duvido que algum deles vai  te recriminar. Lá na salinha de descanso suas marmitinhas também estão esperando para ser devoradas. Quem trabalha em aeroporto já sabe que a praça de alimentação é zona proibida. A não ser para os ricos, que geralmente voam de jatinho, longe da gentalha, gentalha…

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Porto entreaberto


Estou muito triste com essa nova onda de assaltos e violência em Porto Velho. Cidade com a qual mantenho forte vínculo histórico, afetivo e profissional. E para quem ainda me dedico, já que o maior investimento do Hospital hoje é na Capital de Rondônia. Sempre fui combativo nos programas, artigos, crônicas e comentários, sobre a insegurança da população dessa cidade. 
Hoje, pelo que vejo nos relatos de amigos, leio nas manchetes, ouço no rádio e acompanho pela TV, a situação piorou. Impressionante! Um lugar tomado de assalto. Em várias esferas, com e sem armas, e sempre com violência.
A violência da agressão física e verbal e a violência que segue doendo; já que a certeza de impunidade, o vazio da incompetência para acabar com o crime, o desassossego do abandono e o conformismo de governantes e até mesmo da sociedade, abrem alas para que mais criminosos apareçam.Engravatados ou não. Armados ou não.
Lamento, profundamente! Como vítima, que também fui, e alvo de ameaças, que sempre fui, sinto a dor da boca fechada de muitos e do grito sufocado da maioria. Inadmissível que tantos bandidos consigam fazer tanto durante tanto tempo, e quase nada ser feito.
Caso de polícia? Claro... Mas é caso de mobilização social também. Os moradores, internautas, contribuintes, não podem mais aceitar esse estado de coisas. O basta deve ser dado não somente nas urnas, já que elas também tem aprontado das suas.  O basta precisa ser dado aqui, nas redes, nas ruas, nos púlpitos, nos altares, nas reuniões, nas assembleias, nas conversas e manifestações organizadas. 
Uma cidade refém é uma cidade quase morta. Um povo violentado, humilhado, com medo de ser a próxima vítima, deve ainda ter uma força que resta, uma energia final para se erguer.  
Acredito muito que essa gente que foi capaz de construir uma cidade a partir de tantos idiomas, dialetos e sotaques é competente também para mudar isso. A capacidade de um povo é medida pelo caráter de sua história e a personalidade de quem viveu para construí-la.  
Porto Velho precisa quebrar a cadeia que prende sua gente e gritar pela liberdade de quem trabalha honestamente e não deveria ficar preso dentro de sua própria casa. Porto Velho precisa renascer. Mesmo sabendo que dói. Mesmo sabendo que haverá dissabores e barreiras a serem quebradas. Mesmo sabendo que reconstruir dá ainda mais trabalho. Mesmo sabendo que o inimigo não tem medo.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Asas do coração

No leito de morte reuniu os filhos. Os quatro não se viam há um bom tempo. Cada um tinha ganhado rumo,  como dizem. Vivendo numa confortável distância, sem precisar de um ambiente que tinha deixado de ser família e se transformado num inferno. A mãe, separada dele desde sempre, não sabia se ia, se ficava, se sorria.  A dor  era maior que a saudade, embora ela também existisse.

O quarto do Hospital tinha oxigênio nos tubos mas pouco ar respirável. Não cabia tanta gente desconectada num lugar só. A conversa em tom de despedida seria difícil. Poderia tornar-se insuportável se alguém quisesse explicar o inexplicável, ou relembrar algo  que o tempo já tinha se encarregado de anestesiar.

Com pouca voz e pouca vida ele falou pouco. Seu pedido de perdão foi nominal, mas sem detalhes. Para cada filho uma  frase ou duas e lágrimas de sobra. Mais dele do que deles. Era um choro de arrependimento sem censura. Um choro de despedida de tudo, com doses pesadas de medo.

Ele sabia que era seu último dia. Não queria deixar o que restava dele sem recuperar um pouco do amor que existiu em algum lugar lá atrás.

Foi quando a mãe chegou. Era ainda uma mulher linda. O tempo não conseguiu apagá-la. E sua força tinha energia suficiente para uma família inteira. Sabe-se lá  Deus onde ela achava tanto combustível para viver. Entrar naquele lugar, juntar mãos, beijos e abraços, chamar para a vida gente que nem se falava mais, suplicar que ninguém saísse dali sem perdoar e se permitir   recomeçar.  Parecia  algo sobrenatural… E ela era mesmo uma mulher de outro planeta.


Quando ele fechou os olhos para descansar de vez, de fato serenou. Antes do fôlego final viu um pouco do céu aqui na terra, através daquela que um dia ele chamou de meu anjo.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Eu, falecido


No dia em que eu morri, veio tanta gente. Alguns  eu não via há muito tempo e depois de alguns dias minha família nunca mais os viu. Sumiram. Bateram o cartão no velório e a lágrima secou logo. Talvez pensem que o abraço que deram duraria para  outra  vida toda. Não os cobro, nem culpo. A morte faz dessas coisas mesmo. Reúne saudosos, liga e religa familiares e dá uma oportunidade para que muita gente se reveja, retome a prosa, conte uns causos e até dê algumas risadas no meio da madrugada, com as velas pelo meio.

No dia em que eu morri, chovia. Lá fora muito, na capela um pouco. Na goteira perto das cadeiras e nos olhos de quem chovia de saudade. Lágrimas bonitas, salgadas de dor e doces de amor. Claro que se eu pudesse dizer alguma coisa eu diria. Mas não podia. A hora era de um silêncio meu que sinceramente não me serve. Falante, com palavras pela boca ou escritas pelo tempo, ficar quieto enquanto os outros diziam não foi nada fácil.

Ainda mais quando elogiavam muito, num exagero que não me deixava vermelho porque eu já estava roxo. Alguns, no canto e na calçada faziam umas críticas mais pesadas. Talvez injustas. Mas tanto faz, não dava pra me defender e nem precisava. No dia em que morri, brigar era algo que eu não queria, nem mesmo com quem por dentro ria. Deixa pra lá. Um dia a gente se reencontra e em outra vida talvez o perdão e a compreensão sejam mais fáceis de dizer e fazer.

No dia em que eu morri, o mais difícil foi não dizer adeus mais vezes. Gente que amo muito ainda estava agarrada a quem eu fui, sem querer me deixar ir para onde serei agora. Compreendo, claro. No fundo eu não queria deixar ninguém pra trás. E por falar em fundo, lá só ficou o corpo. Eu fui para o alto, longe de uma terra onde a violência, a dor, a insegurança e a intolerância fizeram dela um lugar difícil de viver  e fácil de morrer.

No dia que chegar teu dia, conversaremos sobre…

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O eleito



Pedia votos como ninguém. Comia pastel, bebia cachaça, almoçava mais de uma vez, pegava ônibus, chorava   nos velórios. Nas festas abraçava noivos, aniversariantes, padrinhos e madrinhas, sem precisar de convite. Sua cara-de-pau  era tamanha que ninguém tinha coragem de desconvidá-lo.

Em reuniões de condomínio, futebol na várzea, culto, sessão espírita, missa e até despacho na encruzilhada, onde tinha um eleitor, lá estava ele. Um campeão em segurar criancinhas, elogiar vovozinhas e contar histórias de como a vida de candidato pobre é difícil.

Filomeno Gergelim era o que se pode chamar de político de carreira. Sabia o que queria e era capaz de saber também pelos outros. Antes mesmo do eleitor pedir algo o homem já prometia. Tinha olhos de águia e lábia  de sereia. Via de longe o que aquele bairro precisava, o que a associação dos moradores imaginava e até mesmo o que aquela mãe iria chorar pedindo. Era quase um mágico. Um ilusionista. Um ser iluminado. Ao menos era isso o que o povão sentia. Ai de quem duvidasse. Gergelim tinha virado um ídolo. Seu slogan “ao menos dê uma chance ao Filomeno” era hit  na cidade e terror da situação.

Sua vitória foi de lavada. Um marco eleitoral. As urnas explodiram com Filomeno pra todo lado. Até no centro, onde o candidato a reeleição acreditava que iria vencer, Gergelim tirou de letra. Venceu e foi carregado nos braços. O povo tinha nele a volta da esperança. Agora sim a cidade iria sair do buraco.

Só que a história se encarrega de desfazer mitos. Ou ao menos apaga bem as imagens feitas com tinta fraca. O homem ficou lá naquela prefeitura por um bom tempo. Das criancinhas ele até lembrava. Afinal as quatro filhas insistiam em levar os netinhos para brincar na sala de reuniões.

Mas a criançada do povo, os bairros, aquela gente com quem ele tinha a pachorra de até andar junto no busão para ouvir suas histórias, desses ele simplesmente esqueceu. Ou finge que não sabe de quem se trata. Ao botar o bumbum na cadeira de comando, sua memória foi automaticamente desligada. O coração esfriou, as lágrimas secaram, o discurso murchou. Se não morreu e colocaram um clone ali, pode se dizer que de fato o homem era mesmo mágico. E sabia desaparecer!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Céu negro


No  desenho  que ele fazia, chovia. O céu estava sempre negro. Os médicos, os professores, todos os que o acompanhavam no Hospital já haviam percebido que o que ele queria dizer tinha a ver com a morte. Mas seu sorriso era tão vivo. A expressão do seu olhar era a de um céu azul.  Havia nele  um dia  repleto de sol e uma noite cheia de estrelas brilhantes. Só no papel ficava o registro da partida. Um adeus molhado.

Hoje, quando   me deram a notícia de que o garotinho que desenhava o céu chuvoso havia morrido, meu choro veio tão rápido, choveu tão depressa em mim. Corri para escrever, como se as palavras pudessem formar um guarda-chuva. Protegendo-me do que cai do céu, mas não do que vem de lá.

O problema é que o barulho do trovão a gente sente por dentro. A dor se manifesta de tantas maneiras. Só chorar parece que não esvazia. Só escrever parece que não sacia. Que raio é esse o de querer entender, gritar, correr, perguntar todos os porquês mesmo sabendo que poucos  deles vem embalados com as respostas.

Sei que hoje o lugar onde o conheci, as salas, as alas, os setores, os corredores, estão menos coloridos. Seria demais pedir que tentem pintar um quadro onde a casinha no pé da montanha esteja rodeada de árvores frondosas e crianças no pique-esconde.

Deixem então o desenho pregado no quadro de recados. Um céu negro, com chuva forte caindo.

Permitam que a arte da vida continue tentando explicar o capítulo final.

E chorem. A tinta de quem viveu para ser amado, não se apaga com o que sai no choro.

A luz de quem viveu tão pouco não se acaba com a tempestade.


No desenho que escrevi hoje, também chove!

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Linha ocupada

Dia desses enviei mensagens e telefonei para alguns amigos. Narrei o início de uma crise. Falei a respeito de uma necessidade urgente e que isso implicaria na ajuda deles. Um por um, amáveis e atenciosos à distância, todos se propuseram a colaborar. Cada um do seu jeito, mas solícitos. Os dias estão passando, a conversa ficando para trás, perdida em algum horário, agenda ou pequena lembrança. Não para mim, claro. Me lembro bem da reação, da solicitude, da esperança que cada um aplicou no depósito do meu coração.

Sorte minha que a crise que se mostrava como um poderoso furacão, vindo em direção a uma frágil casa na beira do rio, não era tão forte assim. Um vento forte, com alguns raios e trovões definem melhor o que ela representa. Não cai, nem me machuquei. Ao contrário, sinto-me melhor e mais forte. Ao mesmo tempo em que me vejo mais solitário e descrente.

Talvez eu tenha contado com as pessoas erradas. Buscado um porto seguro em quem possivelmente nem tenha uma âncora para segurar o barco. Pode ser que alguns deles ainda estejam pensando nas mensagens e telefonemas e buscando em segredo uma forma de me ajudar. Pode ser. Pode não…

Certo é que a medida de prioridade da gente está em outra escala na escala do outro. Servir é o melhor remédio. Ser servido, buscar socorro, embora seja íntegro, necessários às vezes, humano, natural, nem sempre significa colher fruta madura. Existe um sabor amargo no esquecimento. Um fel pastoso na indiferença. Uma cavidade apodrecida.

Prefiro pensar que falei com os amigos errados. Ou que os que escolhi estão ocupados demais com suas próprias crises. Talvez até o furacão tenha passado lá na praia deles e eu andei tão preocupado com a minha. Talvez!

Acho que vou mandar novas mensagens, ou ligar dizendo que já passou. Está tudo bem antes do ano que vem. Antes vou ensaiar bem o texto. Não quero que pensem que é orgulho ou destempero. Mas vou começar a conversa lembrando a crise. Vai que eles esqueceram mesmo…

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Mafalda

 O objeto mais próximo dos meus dedos, quando teclo, é uma pequena Mafalda. Feita de gesso e com uniforme da Argentina, ela é parte importante do cenário da minha mesa. Identifica o que gosto e o quanto acredito no fim dos muros e construção de pontes entre as pessoas.
Quando me questionam sobre ela citando seu nome, opa, que beleza, alguém que conhece a genial personagem e suas tiradas sempre atuais. Quando simplesmente querem saber o que faz uma menininha com a camisa dos rivais em minha mesa, geralmente limito a resposta a alguma coisa óbvia e simples. Digo que foi presente de um amigo que visitou Buenos Aires e pronto. Geralmente dá certo.

Tem gente que faz uma cara tipo, hummm, bonequinha na mesa, sei não!! 
O pior é que ela está ao lado de um Minion, aquele amarelinho do Meu Malvado Favorito. Antes que eu diga que foi presente das filhas, hummmm, sei não, dobrado!

Minha Mafalda fica de costas para mim e de frente para as visitas. Ocupa um lugar de destaque, entre agendas, papéis, cartões e o controle do ar-condicionado. Gosto dela ali. É também uma forma de homenagear  seu criador, o genial Quino.  Um  cara  que foi capaz de dizer, através de uma boquinha desenhada, que o jeito é encarar a artificialidade com naturalidade, ou que o mundo tem cada vez mais gente e menos pessoas.

Minha Mafaldinha também me faz lembrar o tango, um bom vinho, uma carne suculenta o cinema argentino e Ricardo Darín, que parece estar em todos os filmes portenhos.
Sim, também sou fã de Maradona e Messi. E do Boca. Mesmo sendo corintiano em terras brasileiras.
Com tantas revelações, sou candidato nato a ser reprovado por meus leitores hoje. Ou sacrificado nas redes. Por mim, tudo bem. Desde que dona Rosângela não derrube a Mafalda quando limpar a mesa.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Confissões de um passageiro

Confissōes de um passageiro

Parar num aeroporto e saber que vou esperar três horas não é nenhum pouco inspirador. Aeroportos são os lugares em que as pessoas não estão ali. 
Mas saber que retorno para os braços e aconchego de quem amo, depois de buscar ajuda e doaçōes para pessoas que aprendi a amar, faz a espera parecer menos dolorosa. 

Hoje, além da gostosa sensação da volta pra casa, lembrei de viagens que fiz com a família quando voar era algo de ficção científica pra mim. Para uma criança do interior, que passava as férias na cada da avó e sítio do tio, avião era coisa de outro mundo. O mundo da imaginação.

Aventura mesmo era o Fusquinha do pai, na estrada que ligava Araçatuba a Auriflama. No trecho de terra, perto Patrimônio da Mata ou Major Prado, era batata contar com uma pausa para sair todo mundo e ajudar o carro a superar o atoleiro. Incrível como o barro e a lama faziam menos mal naquela época.

Senti até o balanço do carro prum lado e o volante para o outro, com seu Benedicto garantindo que tudo ia dar certo. A gente chegaria ainda hoje. E chegava mesmo!

Estou mais chique agora. Acabo de comer um arroz com batata sotê e brócolis, além de mais algumas tirinhas disso e daquilo, perto de pessoas cheias de malas importadas, roupas de grife e celulares iluminados. Tantos destinos esperando tanta gente e eu recordando o carro atolado.

E acredito que essa recordação é meio que um sinal de alerta. Volta e meia sinto alguns aromas, vejo alguns rostos, ouço sons e percebo algo que me remete a um tempo atrás. Claro que isso acontece com todos. Eu sei! Mas os celulares iluminados, que interrompem boas prosas, as malas que carregamos com pressa para conseguir ficar em pé no corredor do avião, a roupa que aponta a conta bancária, não deveriam nos separar da época em que viajar era complicado e chegar era sublime.

Meu nível de nostalgia está bem acima de 12 por 8 agora. Melhor desligar o tablet. Olhei para ele e senti falta da máquina de datilografar. Aí já é demais...


quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O dia em que o mundo parou

No 11 de setembro, 12 anos atrás, eu estava em Cascavel, no Paraná, numa sala da Unioeste, a Universidade onde eu trabalhava. Na verdade, já em clima de despedida. Naqueles dias eu  tinha aceitado o convite para mudar pra Rondônia com a família. Me preparava para o desafio de colaborar na instalação, montagem e início de trabalhos de uma rede de televisão. Começaria por Ji-Paraná, para onde nos mudamos pouco tempo depois do dia em que o mundo parou.

Lembro-me bem dos prédios em chamas e de todo o drama da cobertura jornalística com imagens e textos jamais imaginados. Se bem que o que mais me lembro, e até hoje me causa repulsa, foi ver e ouvir alguns colegas vibrando com a tragédia. Comemorando a ação terrorista. Aplaudindo as torres em chamas e o que chamavam de vingança contra o império, contra o capitalismo. Coisas do tipo.

Aquele foi um dos silêncios mais dolorosos que já calaram minha boca e alma. Não entendo até agora como foi que travei por completo. Quero acreditar que a dor da imagem, com seu ineditismo e furor, devem ter  me anestesiado a tal ponto que não consegui retrucar os torcedores de plantão. Gente que celebrava a morte de inocentes como quem celebra um gol em final de Copa do Mundo.

Por favor não me venha apontar as mortes de inocentes causadas pelos Estados Unidos da América. Eles que paguem pelos seus muitos erros. Morte de inocentes nós também temos. Nas favelas, nos corredores de hospitais abandonados, nas periferias cheirando crack, nas praças prostituídas, nas agências bancárias explodidas, nas escolas invadidas, na solidão do quarto que violenta e cala, nas estradas alcoolizadas ou no cano de uma arma empunhada por mãos que nasceram há pouco mais de 12, 14, 16 anos.

Nada justifica o terrorismo. Como nada justifica a violência que comentei logo ali. Mas, pense comigo, pode se justificar o prazer em ver a morte alheia? Como ainda me dói recordar a celebração da morte distante, como se ali não estivesse presente um de nós.

Claro que o título lá em cima é um exagero. O mundo não parou. Parece-me que nem para pensar ele parou direito.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Você sabe com quem está falando?

No filme O Informante, Al Pacino interpreta um jornalista em crise. Sua ética é colocada em xeque quando uma reportagem bomba sobre a indústria do tabaco deixa de ir ao ar. Comprometendo a promessa que fez ao entrevistado e sua própria história na televisão. É um daqueles bons filmes, com  algo a mais. Num determinado momento o personagem fala sobre a fama e desabafa: Tire o nome da empresa do meu nome e simplesmente desapareço.  Existo porque depois do meu nome vem o dela…

É fato! Durante muito tempo e por uma série de razões, existimos porque ao nosso nome é acrescentada a instituição tal, ou empresa x,  igreja y, entidade z. Sou o Fulano, da…, ou essa aqui é a Cicrana, do…

Carregamos nome, sobrenome e um outro nome. Claro que isso tem um lado positivo. É nossa identidade profissional. Com ela apresentamos quem somos e o que fazemos. Muito do que vem após o nome demonstra também o que cremos ou a razão de estarmos realizando determinado trabalho.

O peso do desabafo no filme tem um outro sentido. E nele me apego para desabafar também. Principalmente por causa de pessoas que carregam após o nome não somente a marca ou o peso institucional ou corporativo. Preferem arrastar as correntes da arrogância. A genética da prepotência. O DNA da luxúria e a soberba do sou-mais-e-melhor-que-você.

O lamentável é que quando chegam nesse estágio, se esquecem que ao ser retirado o nome da marca após seu nome elas podem desaparecer. Ou seja, não é a sua história, sua própria identidade, seu desempenho como gente, sua contribuição para a humanidade, seu zelo como amigo, seu amor ou humanidade que ficaram. A pessoa que havia ali foi substituída por um crachá no peito e uma sentença na cabeça. E de repente volta a ter nome e sobrenome, como qualquer mortal, só que sem vida.


Minha prece é para que meu crachá seja sempre menor que meu coração. O cargo menor que a função. E o respeito ao próximo, com ou sem nome de empresa no final, mais profundo que o status ou a fama. Que desaparecem também. A não ser que a imagem tenha luz própria. E sirva para iluminar a vida dos outros.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Medo gigante


Eu não tinha medo de certos brinquedos no parque de diversões. Se bem que o máximo da brincadeira na época era o trem fantasma. Quando conheci a montanha russa a União Soviética já estava quase no fim. Descia a ladeira. No carrinho de trombada, como a gente chamava o bate-bate, sonhávamos com um volante de verdade e a direção de um carro pelas ruas. Que escola era essa hein? Aprendíamos a bater desde cedo.

Confesso que por mais ligh e romântica que possa parecer, eu nunca gostei da roda-gigante. Aquela parada lá no alto, pra gente apreciar a vista, já indicava que eu seria uma vítima do medo das alturas. Voar não. Disso eu gosto muito. O drama sempre foi a sacada, beiradas em lugares altos e sim, a cabinezinha aberta, o vento, a olhada pra baixo…uff! Deu calafrios só de escrever sobre…

Fui com a família num Parque de Diversões, durante a Festa do Peão em Barretos. Quer dizer, para minha alegria apenas passamos pelo parque para ver o povo se divertindo (sofrendo) em alguns brinquedos mais modernos. Enquanto observava o trem fantasma jogado às traças, e o Viking, que balança mais não cai, também abandonado, um tal de Evolution fazia a cabeça da meninada. E bota fazer a cabeça nisso. O equipamento não só gira numa velocidade incrível como também para no alto. Mas nada que se compare ao slow motion, com todos sentadinhos, da roda-gigante. Esse brinquedo é para malucos. Como vários outros que vi e não me vi neles nem em sonho.

Sim, eu sei que você  está me chamando de medroso, bunda-mole ou coisas do gênero. E eu já assumi que sou. E à medida que a idade avança, a não ser que sejamos aqueles loucos aventureiros que pioram conforme o cabelo fica mais branco, a tendência é sentirmos medo mesmo.

Mas é divertido ouvir aquela gritaria e o pavor passageiro dos passageiros em busca de aventura, adrenalina, desafios. Divertido e assustador. Não tem uma pessoa que não fique pensando: e se não der certo? E se o equipamento falhar? E se alguém cair…

Ainda bem que na Festa tudo parecia muito seguro. E o entra-e-sai dos brinquedos mais excitantes comprova que as gerações que passam querem cada vez mais romper barreiras. Emoção por emoção. Prazer por prazer. É assim que as coisas são e assim que as pessoas estão. Falar de medo de roda-gigante agora parece até inadequado. Coisa de gente nostálgica. E não quero parecer o chato que acha que antes é que era bom. Antes era bom, mas hoje também é. Depende de como vivemos, servimos, observamos, compreendemos o tudo ao redor.

Mas existe um medo hoje que é maior e que ninguém gostaria de ter. O medo da violência, do bate-bate de verdade nas ruas, da corrupção nas alturas, sem que haja alguém para desligar as máquinas  do trem da alegria. Que é pior do que o trem fantasma porque é de verdade. E tira da saúde, da educação, da segurança, da vida do cidadão a diversão de viver sorrindo, sem precisar do parque.


segunda-feira, 19 de agosto de 2013


Em breve vamos disponibilizar o Crônicas Domingueiras para compra on line, via Pay Pal. Informações nos Faces Benedicto Domingues Júnior, Elo Domingues e Beni Domingues. Também via hot site do livro.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

O fim do muro

Como é  possível  alguém fazer um projeto de uma ciclovia que termina em um muro? Quando vi a foto e li o texto sobre a obra da ciclovia construída no entorno do Maracanã, que literalmente dá de cara com um muro, não sabia se ria ou se postava. E pior: em um outro ponto ela também não tem fim, bate de frente com a parede do Museu do Índio.

Pode até aparecer alguém afirmando que ali não é fim do da ciclovia, mas o começo. Seria uma bela resposta. Pouco inteligente, mas uma saída, ops, uma entrada. Pode até ser que daqui um tempo derrubem o muro, ou o museu, e liberem a via para as bikes. Mas pode ser que não. Que trata-se pura e simplesmente de mais uma obra feita de qualquer jeito, para qualquer um.

O Brasil está cheio delas. Os moradores de Porto Velho sabem bem o que é obra inacabada. Em vários pontos da cidade é possível se deparar com uma quase construção. Um quase projeto concluído. Um quase viaduto. E não é só lá. Lembrei de lá porque também sofro por meus amigos com quem um dia convivi. Com quem andei pelas mesmas ruas e calçadas, onde o quase ainda é senhor e deus.

A ciclovia que dá no muro é um exemplo perfeito para os estádios que darão em nada depois da Copa. E olha que muitos deles não darão em quase nada antes mesmo da competição. Em Manaus já mudaram o projeto e a obra. O que havia sido combinado não ficará pronto. Tinha muito muro no meio do caminho.

E assim ficaram os projetos de infraestrutura. Ou melhor, não ficaram. Nem ficarão. As cidades terão que se adaptar ao caos durante o Mundial. Se bem que a maioria delas já vive o caos. Ele será apenas piorado um pouco. A não ser que decretem feriado em todos os dias de jogo, em todas as 12 cidades onde as partidas vão acontecer.


Para quem adora um feriado, ficaria perfeito. E o Brasil adora um dia santo, uma folguinha, um refresco. E hoje, com a boa forma em alta, muita gente vai tirar o dia para caminhar, correr, andar de bicicleta. Se estiver no Rio, cuidado com o muro!

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Você tem dado o sinal?


Final de tarde, quase na hora das despedidas, do até amanhã para quem fica, ouço uma colega na sala ao lado pedindo um sinal de fax. Incrível como a frase “você pode me dar o sinal do fax” me pareceu tão velha, ultrapassada, antigona mesmo. Nem sei para quem foi que ela pediu um faz igual, que é o significado da palavra fax, em latim. Também não sei se a cópia veio boa, se o papel da bobina é térmico e impresso com jato de tinta, como manda o ainda vivo figurino de um bom equipamento desses.

Só sei que a invenção tem protótipos antigos, dos anos 20, mas virou mesmo uma produção em grande escala em meados dos anos 70. E vendeu horrores. Aliás, ainda vende. E o olha que o bom fax ainda se mantém  ali, na casa dos 300 reais em média. Um excelente preço para um corôa de escritório. O que me espantou ainda mais, é que usar fax , comprar fax, enviar e receber, é mais normal e comum do que minha imaginação poderia copiar.

Pesquisei entre alguns colegas. Uns, como eu, não se lembram quando foi sua última experiência do tipo, chegou aí a cópia? Tá boa? Outros falam do aparelho com uma naturalidade abominável. Minha encucação bateu forte nessa hora. A turma do androide, os usuários dos ioesses da vida nos iphones e similares, essa galerinha mais z e y do momento, já nos trata como uma espécie de gente excluída. O quê? Você ainda não tem wat zap? Não usa o instagram? Não se localiza no forsquare? Em caso de resposta negativa a condenação vem em forma de desdém. O que é pior que algumas fogueiras. Entende o drama? Os do fax também podem te excluir a qualquer momento. 

Lembro-me da máquina de datilografar, das aulas e de como continuei catando milho apesar dos esforços da professora. Portanto, o fax um dia foi moderníssimo para mim. Para minha tristeza, ao pensar que achá-lo um equipamento ultrapassado me colocaria no panteão dos moderninhos, com meu tablet e pouco mais que isso, a voz da mudança diária, constante, impressionante de tudo o que é tecnológico me botou no lugar que mereço. Entre a cruz e a espada, ou melhor, entre a maçã e o galaxy. O que, aliás, piorou a coisa, porque Galaxie para mim, era o carro enorme do meu pai. Mas essa já é uma outra história. Vou  mandar um fax contando. Me dá o sinal?

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Se Deus quiser...com a ajuda de Deus


Final de jogo, ou saída para ao intervalo. A maioria dos jogadores de futebol repete basicamente as mesmas frases. O repertório é fraco. Falam sobre o time estar bem postado mas não ser feliz nas finalizações. Que os três pontos é que importam. Que futebol é assim mesmo. Em  caso de derrota é hora de pensar no próximo jogo. Em caso de vitória, enaltecer a torcida é praxe. Agradecer a Deus é quase um mantra.

Existem aqueles que exageram e chegam a dizer a frase que ali de cima: Se Deus quiser, com a ajuda de Deus. E tem também a galera que bota Deus em algumas frias. O goleiro que defende um pênalti e diz que quem pegou a bola não foi ele…Foi Deus! Toda a honra e glória seja dada. Aí, no segundo tempo o cara  toma um frango maior que o da Sadia, com capacete e tudo. E agora Jesus? No primeiro tempo estava com ele, depois virou a casaca e ajudou a cabeça do centroavante adversário, ou criou um morrinho na grama de uma hora para outra, ou um vento repentino??

A verdade é que acreditar em algo, viver uma vida com princípios, especialmente os que respeitam e servem ao próximo, são dádivas extraordinárias. Possibilidades verdadeiras de fazer da crença uma ferramenta de amor e cuidado. O problema está na forma. E os jogadores de futebol, principalmente os  da ala mais radical da fé, tem pisado na bola. Nada contra onde vão, com quem congregam e o que vivem em suas congregações, paróquias ou assembleias. Mas a questão é o serviço prestado ao contrário. Ao atribuir a Deus um sucesso, naturalmente estão atribuindo a Ele o fracasso do adversário? Deus tem realmente tempo para assistir e cuidar de tantos jogos de futebol assim? E olha que tem jogo hein!! Ligue a TV agora. Se for uma skygato, ou qualquer outra com mais de 10 canais, tem uma partida de futebol passando nela.

Recebemos uma capacidade incrível de inventar, produzir, amar, servir, transformar a vida, recomeçar… Ao mesmo tempo em que muito do que recebemos como material de trabalho ao nascer, acaba se transformando em pesadas ferramentas de destruição e ódio. O ser humano, inclusive em nome do que acredita, tem sido capaz de matar de múltiplas formas. E o futebol está dentro desse contexto, infelizmente.


Não vejo problema, sinceramente, em alguém reconhecer o sobrenatural e atribuir a Deus alguma conquista. Mas a medida do equilíbrio passa pela dose do bom senso. Pastores, padres, amigos, familiares, líderes de gente que dá entrevista; seja no intervalo do jogo ou em qualquer programa, precisa ensinar essa turma com urgência. Deus não chuta. Não agarra. Não pilota. Não corta. Não saca. Não apita. Ele capacita, mas não está preocupado com o placar. No jogo da vida, que é o que importa pra Ele, o ideal é que todos vençam. Mesmo quando o dia a dia parece ser uma caixinha de surpresas…

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Na sala com Francisco


Gustavo é católico, Edmundo evangélico e José Roberto, o mais velho dos três irmãos, diz que já não acredita em mais  nada. Em casa assistiam juntos ao especial do Canal History sobre o Papa Francisco, chamado de o Papa do Fim do Mundo. Os três irmãos viram tudo enquanto debatiam. Gustavo, o do meio, garante que a igreja vive agora um novo momento e que o novo líder encontrará o caminho para barrar a corrupção no Vaticano e os escândalos que saíram dos bastidores, catacumbas e sacristias para desanimar milhões de fiéis pelo mundo todo.

Edmundo, o mais novo,  procurou não botar o dedo na ferida dos escândalos, já que o meio evangélico não anda com o altar tão limpo. Mesmo assim escorregou na onda do fatalismo e apontou a história do programa como sendo um sinal do final dos tempos. Garantiu que o  Papa Negro nada tem a ver com a batina preta dos Jesuítas. O negócio é mais sério. A questão é mais profunda. Vocês vão ver, ameaçou como quem ama, sem se lembrar que ameaça e amor não dormem na mesma cama.

José Roberto, que um dia acreditou em quase tudo, pediu silêncio. E não falou pouco. Para ele existe uma igreja dentro da igreja e outra fora dela. A que está dentro, vive sufocada pela estrutura, pelos dogmas, pelos donos de cada pedaço e por uma série de novos mandamentos impostos ao sabor da preferência de cada denominação. A que está fora, nas ruas, nos bairros, ao redor dos prédios e liturgias, é a igreja carente, formada por gente que um dia já teve fé, assim como ele. Pessoas que deixaram de ver, ou que nunca enxergaram naqueles que diziam ser cristãos, o Cristo que eles tanto defendiam. E encerrou categoricamente, com a preferência de ser o mais velho: vocês dois ao invés de puxar a sardinha pro assado de cada um, precisam entender que por mais que um líder diga isso ou pense aquilo, sem a prática, sem o bem, sem as ações que realmente provem que o amor existe, a crença em Deus só vai diminuir. Enquanto Ele for representado por religiões e não por pessoas que amam e servem, as paredes vão continuar erguidas e os muros  ficarão  altos. Não será possível ver além. Se é que o além existe. E fiquem quietos que eu vou dormir!!

terça-feira, 16 de julho de 2013

No mundo da lua

Li sobre um garoto inglês chamado Dexter, que visitou o Centro Espacial John Kennedy nos Estados Unidos. Depois disso, seu fascínio pelo espaço aumentou tanto que escreveu uma carta para a Nasa. Nela ele fala sobre o envio de pessoas para Marte, no futuro. E encerra se escalando para ir. Não agora, com apenas sete anos, mas, quando crescer, quem sabe?

Para surpresa dele e de sua mãe a Nasa respondeu. Enviou fotos do espaço e um incentivo para que o menino tire boa notas na escola e não deixe morrer seu sonho.

Os meus limitados conhecimentos de matemática e uma dificuldade tremenda de ficar até mesmo encostado numa sacada de prédio de poucos andares, contribuíram rapidamente para que eu pusesse os pés no chão e desistisse de um dia virar astronauta. Sonho que a maioria das crianças da minha infância acalentava. Afinal, a viagem à Lua era assunto de todas as rodas. Os debates sobre ser ou não verdade os primeiros passos de Neil Armstrong em solo lunar davam o que falar nas reuniões de família ou encontros de amigos dos meus pais. E nós, que acreditávamos em tudo, sonhávamos com as estrelas.

Vi um pouco de mim na história do Dexter. Ele foi mais corajoso que a maioria. Escreveu para quem manda para o espaço o seu desejo de um dia estar lá. Não sei se ele chegará a realizar seu sonho. E se estarei aqui para ver. Mas aprendi um bocado com esse menino ao ler sobre sua pequena grande carta.

Lembrei-me que um dia todos demos nosso primeiro passo. Ousamos sonhar um novo sonho. Decidimos escrever e assinar que aquilo era o que mais desejávamos. Quandos deles ficaram dentro de gavetas e amarelaram?

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Um santo remédio

Eu havia acabado de ouvir uma música que fala da amizade sincera, um santo remédio, um porto seguro. Estava no carro, levando minhas duas filhas pra casa, após pegá-las na escola. Nós moramos em Barretos, e em poucos lugares vi tanto cachorro na rua. A cidade é uma delícia de morar. Mas os vira-latas são um peso contra a boa fama da Capital do Rodeio; que abriga o hospital mais humanizado do Brasil. Uma referência internacional no tratamento de câncer. Pois a visão canina do dia acabou virando a alegria da família nos dias seguintes. A história é a seguinte:
Parei no semáforo, para que os pedestres pudessem atravessar, quando vi dois cachorros seguindo o mesmo rumo. Cachorro seguro morreu de velho. E os dois me fizeram lembrar a música da amizade. Fiquei fascinado com a diferença brutal de tamanho entre eles e a sintonia com que caminhavam pela rua e calçadas. Um era muito pequeno. Pretinho. Quase pelado. O outro era grande, tinha coleira, pelagem caramelo e andava colado no baixinho. Como se o protegesse. Achamos a cena engraçada e seguimos pra casa.
Dia seguinte, no mesmo local, lembramos que ali havíamos encontrado a dupla. De repente, aparece o pequeno, sozinho. Na hora lamentos a possível separação dos amigos. Que nada. O pixote atravessou no mesmo ponto, e foi direto na direção de uma longa cerca. O grandão estava na parte de dentro. Assim que se encontraram a caminhada recomeçou. Um na calçada, pra fora, e o outro coladinho na cerca, por perto. Até que acharam um buraco e o maior pulou na calçada. Hora de voltar a andar coladinho. E assim seguiram. Não sei se eles formam um casal com tamanhos absurdamente diferentes, ou se são dois cães que decidiram andar juntos como dois amigos sinceros.Uma prova de que a frase mundo cão é injusta com os animais. Assim como chamar alguém de cachorro. E a visão e as risadas que demos com a imagem da fidelidade entre o pequeno e seu fiel escudeiro, foram marcantes. Pensei muito sobre a amizade.
Deve ser porque nem sempre encontramos o amigo que é amigo para todas as horas. Ou o amigo que decide caminhar junto mesmo quando você não tem nada a dar em troca. Ou talvez porque a gente espera demais de outras gentes, oferecendo muito pouco. Confesso que vivo a sensação de que estou de um dos lados da cerca. A espera do amigo que vai voltar a andar por perto. Nem precisa ser um porto seguro. Basta ser sincero!

terça-feira, 28 de maio de 2013

Pai coruja




Amanheci mais novo hoje. O beijo de bom dia da minha filha que está de aniversário me fez lembrar que neste 28 de maio eu faço 17 anos. Que delícia! Um jovem de 17. Como assim, o senhor corôa dizer que está ficando mais novo? Virou O Curioso Caso de Benedito Button?? Eu explico. Quando aquela menininha nasceu, eu renasci. Nós renascemos, a mãe dela e eu. A vida tomava um outro sentido. Um rumo em direção ao querer mais. Um ponto a ser alcançado com vida plena e muito amor. amor essa ex-menininha tem de sobra. Energia, ineligência, capacidade de improviso, pitadas estratégicas de silêncio e isolamento, beleza e uma força delicada de quem sabe que pode mais, apesar de às vezes se achar menos.

Sâmya Domingues ganhou seu nome quando Elô e eu assistíamos a um documentário sobre a vida selvagem na África. Em meios às savanas a personagem principal era uma rinoceronte chamada Sâmya. Já havíamos lido tudo quanto é livro de significado de nomes e nenhum deles deu um clique como aquele momento. Seria Sâmya, e pronto. E um dia explicaríamos como nasceu a curiosa inspiração. E quando o fizemos, ela adorou. E não é pra menos. A agora moça sempre amou os animais. Não tivesse desenvolvido a veia artística eu diria que se tornaria uma veterinária. Mas defensora das causas dos animais, isso eu sei que ela será. Aliás, continuará sendo.

Depois dela, veio a Samara. Juntos  nós  formamos quem nós somos: uma família. Com seus aniversários, suas lutas, mudanças, perdões, dias inteiro de cinema, longos passeios no zoo, museus, shopping, casa da vó, casa do vô, quarto pra arrumar, banho nos gatos, passeio de bike, burger king, filmes iranianos que alugo garantido a elas que vão adorar, viagens, nova vida em nova cidade e aos poucos a expectativa de que em breve a mais velha, que nos faz mais jovens, logo vai embora. Ganhar asas no céu da vida própria,que começa com a faculdade. Logo o número 18 chegará.

Por ora ficamos com o 17. Lindo pelo número 1, que representa o começo, e pelo 7, da perfeição. Aliás, uma palavra correta para definir a aniversariante do dia. Deus estava inspirado quando decidiu que ela viria. E especialmente carinhoso conosco, ao apontar acasa onde nasceria.



segunda-feira, 20 de maio de 2013

Sonhei que estava chovendo


Quando minha esposa me acordou hoje, com um beijo, foi a primeira coisa que disse. Está chovendo. Levantei, vi que o dia estava mais cinza. Um pouco mais frio do que de costume. Acabrunhado. Um dia triste. Estranhei, porque sempre gostei de chuva. Logo depois, no calendário, recordei que era o dia de aniversário da morte do meu pai. Não digo que isso tenha deixado o dia pior. Ele  já estava triste. Mas a lembrança fez com que eu ficasse mais reflexivo. Contemplativo. Postei no  face alguma coisa, relembrei algumas outras, tentei retomar a rotina. Aliás, rotina em dia triste é a pior rotina de todas.

Não foi uma manhã fácil. Bateu saudade do velho. Que nem era velho quando morreu. E nem ficou. Deve estar mais jovem do que eu.

Mas minha tristeza não tinha a ver com sua ausência. Seria maldade demais. Sofrer excessivamente por alguém que já se foi, deixaria esse alguém se sentindo culpado. Como se sua morte fosse um castigo.

A dor era a da ausência de algo que parece estar faltando no mundo todo. A impressão é de que estamos perdidos em competições diárias pelo status.  O “ter mais” está acabando com as relações sinceras. Em quase todos os ambientes, o que se vê é uma quase total ausência de zelo pelo próximo. De respeito por sua dignidade e individualidade. Está faltando o olho no olho. O respeito pela palavra empenhada. A consideração pela iniciativa do outro. O ouvido mais atento do que a boca. Os olhos mais mansos do que cheios de juízo. Os abraços mais quentes do que armados de interesse.

Acredito que o o fato de ser aniversário da morte de alguém que representa esses valores, tenha me deixado meio assim, acabrunhado, triste, como se estivesse chovendo dentro de mim. Mas espera aí! Eu sempre gostei de chuva…

 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Diagnosticar é preciso

Cheguei a Barretos em Janeiro deste ano. Desde então vivo uma verdadeira imersão no trabalho do Hospital de Câncer. Procurando não limitar minhas ações apenas ao universo da captação de recursos corporativos; função para a qual fui chamado e muito me orgulho, tenho buscado também aprender mais sobre tudo.
A oncologia é uma ciência com uma abordagem gigantesca e por isso mesmo é tão cheia de especialidades e minuúias. Um fascínio para um jornalista que descobriu uma maneira de ajudar a salvar vidas.
Dentro desse enorme leque de possibilidades, decidi escrever sobre um tema que me prende e motiva: o diagnóstico precoce de câncer infantil.
Poucas lágrimas são derramadas com tantos soluços como as que choro muitas vezes no Hospital Infantojuvenil da Fundação Pio XII. Não por causa de condições precárias, ou imagens comuns à maioria dos hospitais que atendem SUS. Muito pelo contrário! A imagem dessa unidade do Hospital de Câncer é a melhor possível. Modernidade, profissionalismo, competência, humanidade, amor, são aspectos comuns do dia a dia do trabalho dos mais de 100 profissionais que atuam somente no cuidado com crianças e adolescentes.
A dor do choro é saber que muitos desses pequeninos chegam ao Hospital tarde demais. O diagnóstico errado, ou tardio, tem atrasado o tratamento e as possibilidades de cura. Culpa de quem? É possível incluir no bolo uma série de ingredientes. Os médicos, que não tem familiaridade com o câncer, e muitas vezes insistem em determinado diagnóstico, sem atentar para a possibilidade de um mal maior. Familiares, que não se informam ou nunca receberam informações sobre possíveis sintomas de câncer em crianças. Professores, imprensa, enfim, a comunidade em geral, que dispõe de pouco acesso à essa dura realidade. E muitas vezes também bloqueia a conversa sobre o tema. Falar de câncer infantil ainda é um grande estigma. E isso só piora o quadro.
A hora é de abrir o jogo! Falar sobre e buscar saber mais, sem preconceito. Criança tem câncer sim, mas a cura existe. E pode ser ainda mais efetiva se buscarmos informações sobre os sintomas mais comuns e como e onde tratar.
 
Conheça algumas das características do Câncer Infantil:
 
•Febre sem causa aparente que dura mais de 8 dias;
•Hematomas e sangramentos nasais e gengivais espontâneos;
•Dor pelo corpo ou óssea que leva a criança se recusar a brincar e que a faz ficar deitada grande parte do tempo, e que a deixa a criança irritada com dificuldade de dormir e chega a tirar o apetite;
•Ínguas no câncer infantil geralmente são maiores que 3 cm, duras, de crescimento lento, indolores e não é justificada pela presença de infecção.
•Pupila esbranquiçada quando exposta à luz pode ser sinal de tumor ocular. Geralmente se manifesta em crianças menores de 3 anos. Este tumor pode também se manifestar por “estrabismo” repentino.
•Vômito e dor de cabeça por mais de duas semanas, principalmente pela manhã, algum sinal neurológico como alteração da marcha ou da visão, ou ainda, aumento da cabeça de forma anormal, em menores de 3 anos de idade podem sugerir tumor do sistema nervoso central.
•Aumento do abdômen acompanhados ou não de dor abdominal, vômitos e prisão de ventre ou diarreia.
•Aumento do volume dos dois olhos ou de um só.
•Sinais de puberdade precoce como aparecimento de pelos pubianos ou aumento dos órgãos genitais antes da puberdade.
•Sangue na urina.
 
No site do Hospital de Câncer de Barretos é possível saber onde existem unidades da Fundação Pio XII e como procurar as equipes para diagnosticar precocemente e tratar as crianças. O Hospital do Amor, ama para a vida toda.