sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Camisa 10

Ele nasceu dia primeiro de Janeiro. Seu sonho era ganhar a Copa do Mundo. Também tinha desejos de uma vida melhor para todos, mais educação, segurança, muito dinheiro no bolso e saúde pra dar e vender. Ao longo do tempo passou por poucas e boas. Eleições marcaram sua vida e até reacenderam seus sonhos. Não foi um bom menino o tempo todo. Ao contrário! Andou pisando na bola, derrapando aqui e ali, deixando a peteca cair às vezes e cortando na hora errada. Encheu demais o garrafão, errou o alvo, bateu cabeça...
Mas também comeu grama quando foi preciso. Entrou de sola, pra mostrar quem manda. Foi um menino que amadureceu rápido. Entre vitórias e derrotas descobriu que a vida é curta. De repente, já estava quase sem pernas para continuar em campo. Foi alvo de críticas e aplausos. Nem sempre  entendido como gostaria. Quando pressionado se manteve firme. Mesmo quando ganhou cartão amarelo e foi ameaçado de expulsão, não pediu pra sair. Queria jogar até o fim.
Falar dele agora é um exercício fácil de memória. Tudo ainda está dentro da área. Fresquinho como uma boa ducha após uma partida com cara da batalha. Falar dele é também falar um pouquinho de cada um de nós. Ele não existiria sem a nossa torcida. Nem seria verdade se aqui não estivéssemos.
E envelheceu tão depressa! Nesta sexta, dia 31, viveu seu último dia. Foram 365 de intensa atividade. Lá se foi 2010... Um ano que bateu um bolão. Mesmo agora, em que passou a ser uma lembrança, ainda está vivo. Difícil uma despedida assim, apagando tudo e olhando só para o ano que termina em 11. Do que passou quero guardar os melhores abraços, as comemorações, os gols de placa. As oportunidades disfarçadas que soube enxergar e descobrir. As amizades sinceras que permitiram que o trabalho fosse feito em equipe... E as vitórias e derrotas compartilhadas com mais gente.
Mesmo que não possa dar a ele o troféu de melhor da história, diria que o ano velho está entre os grandes. Foi valoroso enquanto durou, e eterno na prateleira de alguns sonhos que comecei a realizar. Vai  2010, que 2011 te substitua com atuações impecáveis e um show de bola!

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Entre datas e beijos

De todas as festas, as de fim de ano são as que mais me deixam sem saber o que fazer. Já desejei feliz ano novo pra muita gente que não vi no ano seguinte inteiro, e feliz natal para quem eu nem sabia se merecia ter nascido. Em aniversários, casamentos, formaturas, batizados e inaugurações a coisa me parece mais fácil. Mas o Natal, por exemplo, é complicado por sua própria natureza. Nasceu o Salvador, ok, concordo, embora saiba que a data não bate. Mas tudo bem. Se  tem que ser um dia, que seja pertinho do fim do ano. O que para o brasileiro é quase perfeito. O sonho de consumo é uma emendada com Janeiro, Fevereiro, no melhor estilo republicano. Mas e o  menino? Dele quase ninguém lembra mais. O Papai Noel tomou conta do babado. Parece até aquele rapaz do canal de vendas pela TV: compre, compre, compre...
Já o Réveillon, palavra cada vez menos usada, é o segundo tempo do Natal. Mas tem seus complicadores também. A chatice da data aumenta à medida que a gente navega pelas mídias. As duas últimas semanas do ano parecem não existir. Tudo o que tinha que ter acontecido já foi... “Não espere nada! Deixe para o ano que vem e coma, beba, se lambuze. Entre uma refeição gigantesca e outra, reflita, medite, repense, planeje, sonhe”. De que jeito? É congestão na certa...
Por falar em comida, algumas delas ainda não me convenceram. O peru, por exemplo. Carne mais sem graça. Sequinha, branquinha, durinha. Pra piorar geralmente vem rodeada de coisas doces. E as lentilhas... Até gosto de uma sopinha cheia delas, só não consigo ligar aquelas bolinhas verdes achatadas a uma refeição farta e suculenta. E depois do que Jacó fez com Esaú, não tem como acreditar que dão sorte. Peru e lentilha tem mais apelo para quem quer começar a dieta do ano seguinte.
E as simpatias? Ah, a virada de ano. Escrever numa folha de papel tudo o que foi ruim e deixou a gente triste. Depois queimar, desmaterializando tudo o mal. Aí, no dia primeiro, escrever o que se  almeja para o ano que começa. Tem aquela da taça da prosperidade. Só que nessa é preciso comprar o cristal certo, trocar a água sempre. Dá tanto trabalho, que se eu me dedicar assim no que faço é bem capaz de obter um sucesso cristalizado, sem precisar da simpatia.
Bem, claro que mesmo azedo em relação ao que o dinheiro tem feito com o calendário, desejo um  2011 com a casa arrumada para todos. A data está aí. E se for pra mudar alguma coisa que seja a partir  da simpatia do sorriso. Que o presente seja o estar junto. E a prosperidade  para todos. E que você seja mais feliz, sem precisar olhar pra agenda.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Que Mário?

Você conhece o Mário? Que Mário? Aquele... Assim começava uma velha pegadinha que eu  não tinha o hábito de passar pra frente. Acho que por causa dos Mários que conheci e tanto bem me fizeram. A exceção é o dentista onde meu pai me levava. Aquele Mário, o  Melancia, ficou na minha memória, impregnado como um tratamento de canal. Só de ouvir o motorzinho ou imaginar a agulha da anestesia fico apavorado. Até hoje! Seu Benedicto e Mário Melancia me devem a dor desse trauma. Meu velho ainda me deve outra: Sou Júnior, e ser chamado de Benedito sempre precisou de uma explicação.
Fora o Mário do consultório, amigos com esse mesmo nome e especialmente escritores, fizeram de mim um homem melhor. O Vargas Llosa, por exemplo: quer um Mário que tenha entendido tão bem o universo da América Latina? E Mário de Andrade? Que ao escrever sobre o homem do Norte do país lembra: “Esse homem é brasileiro que nem eu”. E o Quintana? O homem que nunca escreveu uma vírgula que não fosse uma confissão. É dele a frase que diz que a amizade é um amor que nunca morre. E que o pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.
Tem também o uruguaio Mario Benedetti. Quase um xará. Quem dera! Um dos maiores autores do mundo hispânico, influência de tantos outros escritores e candidatos ao céu das palavras.  Testemunho de mim mesmo foi sua última obra; Biografia para encontrar-me era o livro em que estava trabalhando, quando morreu em 2009. Só os títulos já são uma aula.
Outro Mário que sempre me fascinou, pelo que escrevia, produzia, interpretava, é Mário Lago: “O tempo não comprou passagem de volta. Tenho lembranças e não saudades”.
São tantos Mários, e tantas letras. Mas um sonhador de crônicas não poderia deixar o Prata de fora. Ainda mais depois de conhecê-lo pessoalmente.  Mário Prata das revistas, dos livros, dos jornais... Que delícia ler a história de um casal discutindo a relação em pleno show do João Bosco. E é assim que ele nos leva ao encontro do que pensa.
E foi estudando mais de Mário Prata que os nomes se encontraram. Mas será o Benedito?, é uma coletânea de ditos populares. De um escritor que pesquisa muito. E a expressão nasceu de uma história engraçadíssima, que virou até piada. Pode procurar, vale a leitura e as descobertas. E olha que ainda teria o Mário Ventura, o Chamie o  Lúcio... Você conhece os Mários?


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Eu acredito em sereias

Quando precisei levantar uns trocados a mais, pro orçamento de estudante não esvaziar antes que o mês acabasse, fui trabalhar na bilheteria de um teatro. Era noite de Sereias da Zona Sul, com Miguel Falabella e Guilherme Karan. Um sucesso de público em todo o país. Texto  genial, que reunia dois talentos que todo mundo queria ver. Era riso garantido. E em Curitiba, teatro, arte e cultura, são ingredientes que fazem transbordar qualquer sala de espetáculos.
E era aí que morava o perigo. Em 1988, quando isso aconteceu, comprar com cartão não era tão comum como hoje. Pagar via celular então era algo que nem a ficção científica conseguia imaginar. Ser caixa de bilheteria, em dia de show grande e lidando com grana viva, só poderia ser pior se o funcionário tivesse dificuldade com cálculos e troco. Exatamente o meu caso!
A fila dobrava o quarteirão, e tinha pressa. Estava frio e a chuvinha fina fazia a clientela esconder o sorriso atrás do cachecol. Nem o muito obrigado dava pra ouvir direito. Quando era falado, claro. Pior ainda era trabalhar sem luvas. Que dia aquele! Dentro de um cubículo, esperando o show começar logo pra poder tomar um chocolate quente.
Foi quando apareceu um casal que jamais esquecerei. Da loira eu só via um pedacinho da franja e os olhos azuis husky-siberiano. Belos e claros, quase transparentes. E ele era moreno, sorridente, nem parecia que tinha ficado um tempão esperando pelas vagas na fila D, poltronas 21 e 22.  Quase as últimas daquela sessão. Pagou, saiu com pressa para fugir do castigo da temperatura e se foi. Atendi mais alguns e na hora de fazer as contas, não bateu. Comecei a suar. A grana que faltava era meu pagamento do dia e mais um pouco. Contava com ela como quem conta com o prato cheio e a cama arrumada. O que foi que eu fiz? Que furada eu dei...
Quando eu já começava a falar sozinho, perguntando como iria fazer pra pagar o rombo, aparecem a loira e o cara. Queriam saber se eu não tinha sentido falta daquelas notinhas preciosas, que ele me apresentava entre as pequenas grades da bilheteria. Pra aumentar a minha esperança na humanidade, falou que contou o troco só depois. Quando já estava no restaurante com sua noiva, e percebeu meu furo, voltou imediatamente.
Agradeci muito. E eles agiram com a maior naturalidade. Recomendaram que eu fosse me aquecer logo e que me cuidasse bem. Iam esperar ali por perto a hora de começar o show. Naquela noite, pra mim,  o melhor espetáculo aconteceu lá fora.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Só muda o endereço

Em casa, quando a pasta de dentes está cheia, a porção que vai pra escova é sempre mais generosa. Depois de uns dias o tubinho vai murchando e na mesma medida economizo mais. A vontade é de segurar ao máximo. Como se o recipiente fosse durar para sempre e a pasta, de alguma forma milagrosa, não acabasse mais. Jurei que cortar o tubo pra cavar lá dentro, isso não faço mais.

E quando o gel também está cheio, a estratégia  é a  mesma:  bastante no começo, depois uma dose menor, outra, de repente está ali um pote, com quase nada dentro. Não ser por qual razão não acabo logo com ele e jogo fora. Já aconteceu de ficar um quase vazio por semanas, ao lado de outro e mais outro cheio. Um apego capilar ou avarento, que ainda não descobri qual é.

Percebi que é assim com vários dos produtos de uso pessoal. O desodorante praticamente acabou, dá sinais de que o spray já respira por aparelhos, mas ele permanece ali na pia, esperando o lixão.. Não, não adianta chacoalhar mais: se acabou, acabou... Sei, mas não aprendo!

E os calçados velhos? Duvido que seja só comigo. Vai me dizer que você não guardou aquele tênis seboso? “Uma hora dessas pode ser útil. Vai que faço uma trilha, ou vou pescar, ou ainda precise andar um pouco no sítio daquele amigo que visitei em 2005”.

Camisetas também são produtos facilmente acumuláveis. Aí é que estufa o problema. Guardar onde? Uma pilha, duas, três pilhas de camisetas. A maioria branca, com a data de um evento na frente e um patrocinador atrás. Se usasse uma por noite pra dormir, ainda assim ia faltar sono no mês para vestir  todas.
E as meias e cuecas então? Um apego íntimo com algumas delas cujo elástico já se foi faz tempo. Os furinhos já denunciam os maus tratos e  a falta de cor apontam que já são incapazes de proteger ou segurar qualquer coisa.

As calças jeans sim, resistem ao apocalipse. Tenho uma  que é o grande desafio do tempo. Quando nova tinha cor azul forte US Top. Hoje está tão clarinha que mais parece uma Levis 501, com botão e cintura alta. De qualquer modo só está lá no guarda-roupa  como peça de museu. Já não uso número 40 faz algumas modas.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Sávio do livro

Ele chega cedo. Com seu carrinho a reboque aparece na praça para vender os livros. A cada dia o sebomóvel do Sávio está mais cheio de novidades. Sempre pela região do Flamengo, o livreiro, que é conhecido de toda a vizinhança, fez da paixão pelas letras um empreendimento de sucesso. Espalha Machado, Tolstoi, Clarice, Monteiro Lobato por toda a extensão da calçada.
Livros que um dia custaram uma grana preta hoje adormecem por ali. A partir de um real é possível encontrar uma boa leitura. Com três reais dá pra levar um clássico. Com dez  então, felicidade garantida.Também por conta do vendedor: Sávio é entendido do assunto. Conhece os autores, fala com paixão sobre dramas, romances, policiais,  crônicas, poesia. E não despreza ninguém. Escreveu, publicou, valeu. O livreiro da praça admira a todos. Sabe o valor da palavra, mesmo que ela custe tão pouco.
Quando o conheci, numa dessas viagens ao Rio que todo mundo deve fazer, comprei, conversei, especulei... passei a admirar seu trabalho. Sávio é um homem  apaixonado pelo que faz. E que ninguém diga que é pirataria. Ele não copiou nada, na verdade adotou livros que ninguém mais queria e lhes deu uma  chance. Comparei o que Sávio faz aos  brinquedos do desenho Toy Story. Com sua oportunidade de voltar para os braços de uma criança feliz.
Soube que o livreiro agora entrou numa nova empreitada. Subiu o Morro do Alemão. Decidiu que além do Bope a comunidade precisa dos livros. Montou a Unidade de Leitura Pacificadora. Uma vez por semana vai distribuir livros para os moradores. A ideia é voltar na semana seguinte, recolher os que deixou e entregar outros. De revista em quadrinhos ao romance Guerra e Paz de capa dura. No morro ninguém paga nada. Sávio do Livro agora também é uma empresa de responsabilidade social. Com todas as letras!