segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

No balanço das horas


                                     

Acordei mais cedo hoje,  acabei chegando  adiantado ao trabalho. Quando saí do carro e percebi que meus passos estavam acelerados a caminho da porta de acesso, lembrei de uma mensagem que citava um ditado rabínico que diz que ‘a alma anda na velocidade de uma camelo’. Descompassei no mesmo instante. Esperei um pouco, respirei e segui mais devagar para a benção que é poder trabalhar. Não precisava da pressa. Geralmente não precisamos dela... E muito menos deixar a alma para trás. 

Muitas vezes fazemos isso sem perceber. Deixamos pendências e dores pelo caminho, situações não resolvidas, palavras não ditas, abraços não dados, pedidos de perdão arquivados, lágrimas engavetadas, dores anestesiadas. 

A correria, o ter que resolver logo, o não vou dar conta, tem feito com que o que mais importa se perca nas curvas da estrada logo ali atrás. Não que cumprir tarefas, desempenhar o papel na rotina diária, dar resultados, servir para o pão de cada dia tenham perdido valor. A profundidade aqui é outra. A Alma neste contexto é o sentido da vida. A razão pela qual botamos a mão no arado. Pessoas, não coisas! 

Quantas vezes você já ouviu alguém dizer que não viu os filhos crescerem? Ou que parece que foi ontem, mas já faz tanto tempo, nem notei? Dando sinais claros de que a alma não conseguiu andar na mesma pegada? 

Da minha parte, sei que muito do que acelerei e corri, furando  sinais vermelhos na jornada da vida não volta mais. É caminho no deserto, já coberto pela areia. Remoer e doer não resolve nada. Embora muitas vezes a oportunidade da cura, do perdão e paz apareçam. Geralmente é a alma nos alcançado. Mais uma razão para entender que desacelerar é preciso. 

Sinceramente sei que nem sempre  tive paciência suficiente para esperar o camelo chegar. Mas tem hora que é preciso acertar os ponteiros. Entender que a vitória solitária tem curta duração. Melhor é vencer por muitos e com todos. Parafraseando a linda canção, ‘andar devagar, porque já tivemos pressa. 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Livre estou


                                              

Não existe paz, sem a possibilidade de conflito. Não existe guerra sem esperança de que a paz retorne. Não existe crença sem o ceticismo da dúvida. Não existe dúvida sem a expectativa de que tudo mude. Não existem ovos mexidos sem a casca quebrada. Não existe quebra sem o desejo da reconstrução. Não existe muro se não houver um terreno ao lado. Não existe lado sem a existência do oposto. 

Existir é ter, saber, conviver, entender, aceitar que outras existências também fazem parte do contexto. Estar aqui é ouvir, ver, sentir, perceber que mais pessoas estão também. De cores, crenças, estilos, opções, verdades, dúvidas, esperanças, expectativas, diferentes das nossas. 

Uns preferem a gema mole, outros nem pensar. Uns chama Elvis de  Rei, mas há aqueles que dizem que eram quatro os cavaleiros do rock and roll. E outros tantos ouvem outros sons e tons, dentro do modelo e cultura no qual nasceram ou foram criados. Pagodices, sambices, sertanejices, funquices, disse-me-disses à parte, gosto é gosto e fecha a conta. O que serve também para o check-list de preferências acima. Isso se esse negócio de existir é mesmo um emaranhando diário de posições contrárias. 

A não ser que optemos por uma redoma. E lá dentro só estarão aqueles que falam o que falo, pensam como eu, dormem e acordam na mesma hora, deixam o volume no mesmo ponto, o som com as mesmas notas, a reza com a mesma fé, o desejo com o mesmo dogma, a aquarela sem diversas cores, o arco-íris com sete tons de cinza, a estrada reta e plena, a saúde sem espirros e a lua sem pegadas. 

De minha parte optei por me desredomizar, se é que isso existe. Fora da bolha o risco está presente, eu sei. O de conviver com quem pensa diferente, come e bebe de outro modo, adora conforme crê, torce por outro time, viaja com muita mala, rói unha, chora com Frozen, fala sozinho, acorda tarde, namora diferente, gosta de cachorro e não de gato, mas é gente, como escolhi também ser. Gostando, inclusive, de Elvis e Beatles ao mesmo tempo. 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Palavras... Benedictas sejam


                                            


Quem pode dizer o que está entalado na garganta? Quais as notas dissonantes da canção que não me saem? Onde na agenda está escrito esse dia? Quantos tombos não contados já me ralaram os joelhos? Do chão ao topo, que medida temos? E o peso da dor, qual balança é capaz de apontar?

Tem o céu que a gente vê e a terra que a gente conhece. Tem a terra onde ainda não fomos e um céu que se derrama sobre nós. Tem o céu que acredito existir, mas só imagino. Talvez uma terra igual a essa, só que não. Tem o céu da ficção e a terra que fica nas mãos, sujas de pureza.

O ódio te chama pra dançar, a fúria fala docemente ao teu ouvido, a voz da sereia te chama para o fundo, o gigante te desafia para o mal, a sombra se aproxima da tua luz, o silêncio engasga tua voz e o dique bloqueia as águas. Mesmo assim você não desiste. Teimosia de quem se vê!

O medo também tem idade. Lá atrás, quando o tio contava histórias no sítio, assustava de um jeito mágico. Depois veio o medo do futuro, do que ser quando crescer. Suas formas viraram muitas. O não saber presente. Viver um pouco de paz, mas sempre alerta. Porta fechada ou aberta?


O que nasceu, o que viveu, o que morreu, o que deixou a morte a cruz e o sepulcro vazios. O que mais amou, o que religou, o que ainda fala, o que ainda me cala, pra aprender a ouvir, a sentir, servir. O que é Natal presente. Noel, Emanuel terra e céu. Não é meu, nem teu, é nosso.

Ouvi um ruído, tão diferente, presente, único. Incapaz de definir o que era, afinei os ouvidos. Podia ser um anjo, um outro tipo de vento pela janela, um pássaro desconhecido, uma nova nota musical. Quando desisti de tentar descrever consegui escrever. E o som era eu, lá dentro! 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Insertes

 


Empresta-me tua audiência e te devoro. Fosse sincera a mídia, especialmente aquela na qual os robôs ditam as regras, essa seria uma frase dita mais vezes, ou maldita. Afinal, quanto do nosso tempo a “matrix-informação” tem nos tomado? Polegares, polegares, como estão? Assim estão; tornaram-se membros promovidos ao grau de importância máxima. Tipo o que o cérebro já foi um dia. Chato falar nisso né? Eu sei, até porque mexe comigo também. Meus polegares e nervos adjacentes já dão sinais de uso excessivo e dor. E o cérebro anda com saudade de ler mais.

 

E tem também as crianças. Falo com certa propriedade, porque duas  já viveram em casa comigo e cresceram na migração que o mundo fazia para a terra prometida das redes. E agora temos uma pequena joia iluminando nossos dias; e ela, digitalmente falando, é um ser bem mais avançado que os demais membros da casa.

 

O quanto desse novo mundo afeta a vida de cada um de nós, tem sido uma preocupação constante. Não doentia, pelo amor de Deus. Fanático já basta um pedaço terraplano do mundo. Falo de senso de observação e análise. Estudo diário. Avaliação de comportamento. E o mais importante: o quando do que a filhota faz, deseja, vê e não abre mão, é parte do que enxerga e experimenta no convívio familiar. O que ela copia e cola? Não basta ser mãe e pai, tem que autoavaliar. 

Claro que das mil e uma utilidades que os avanços oferecem, para a educação, saúde, rotina de trabalho, mobilidade, praticidade, existem muitas desvantagens e medos. Daí a razão para evitar a construção de uma torre de papel. Está tudo bem em evoluirmos. Um dia deixamos a caverna, noutro o tacape, e não muito tempo atrás saímos do obscurantismo e aprendemos a questionar e buscar respostas. Se bem que tem gente querendo voltar ao silêncio da inquisição. Mas, deixemos de lado isso; a ideia aqui é outra. 

Proponho conversarmos mais. Compartilharmos as experiências no trato com a aceleração desses processos todos. Inclusive os riscos que corremos de tornar o digital um vício; nosso ou de pessoas que amamos...inclusive aquelas que nasceram há pouco tempo. 

Proponho também uma sutil volta aos livros, às refeições sem celular, idas ao cinema, passeio no parque, viagens com moderação nas selfies e apreciação das paisagens. Abraços, brincadeiras, churrascos com piada e sem pressa, rodas de conversa, preces antes de dormir, gratidão ao acordar, baterias descarregadas,  ar puro, café no coador, bom dia vizinho, boa tarde colega, boa noite amor.

 

                                    



segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Morte e vida


 

Quando eu entendo que só eu entendo, já começamos a nos desentender. No momento em que me dirijo até o outro com paus e pedras, não é mais de conversa que estamos falando. A ponte que nos permitia ir e vir, foi destruída. Uma bomba qualquer, de fatos ou fakes, explodiu dentro de cabeças que ensurdeceram. Essa surdez, a de não poder ou conseguir escutar o que querem dizer, afeta também outros sentidos. E, cá entre nós, não faz sentido não sentir. 

Não faz tanto tempo, a humanidade passou por uma tragédia sem precedentes. E grande parte dela foi causada também por essa ausência dos sentidos. Inacreditável que tanta morte, dor e sensação de perda, com todas as sequelas que vieram com pandemia, não nos tornaram mais humanos, mansos, prontos para nos desenredarmos. 

Nenhum argumento equilibrado pode justificar a barbárie. De ninguém, em qualquer tempo, sob qualquer bandeira. Protesto, não concordo, grito, argumento, volto a gritar, defendo ideais, provo, comprovo, realço, pinto, bordo, grito de novo, me faço ver, me faço ouvir, libero as dores, manifesto, aponto fatos, argumento de novo, fico rouco, mas não louco. 

Não consigo crer que Deus opere nesse terreno. Sempre O vi como um pai amoroso, mesmo sendo justo, escolheu se mostrar numa nova aliança como o pai do pródigo. No nascimento recebeu pastores que eram párias da sociedade da época, reis magos que acreditavam num outro deus e outras formas de adorar, estrangeiros... isso tudo num lugar cheirando a cocô de animais,  no calor do tabuleiro em que se deposita comida para vacas, cavalos etc. em estábulos, também conhecido como manjedoura. 

É da origem da maioria de nós que estou falando. E do destino igual que todos teremos. Morte e Vida Severina... que trata de injustiças, aridez, busca por melhores condições de vida, privações, desistência e também de nascimento, redenção, esperança, remissão. De um também filho de carpinteiro na obra do poeta. 

Mas, se você prefere rasgar a poesia, acha que é coisa de quem não entende, infelizmente voltamos a nos desentender. Que pena! Então  pode rasgar também essa página de pequena ousadia. Ah, é verdade, ela não está no papel, não é possível  rasgar. Então delete! Deixe que as palavras voem... pra além do sertão. Embora eu ainda acredite  que ele pode virar mar.




 

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Juntando os cacos

 


                            

Ainda há pedaços da Pandemia por aí. Quem perdeu gente ficará em pedaços para sempre. A dor do outro, ampliada quase 700 mil vezes só no Brasil, tem feridas escancaradas nas sequelas e lembranças de um calendário recente, que ainda está em aberto. A doença vai e vem. Com ela vivenciamos mudanças aceleradas. Nos tornamos mais touch e mais on em pouco tempo. Aprendemos a lidar com o artificial como se natural fosse. E o natural perdeu um pouco o sentido, precisando de um upgrade de memória para nos lembrarmos que há muito pouco tempo  a gente conversava pessoalmente.

Longe de mim querer discursar contra os avanços ou aceleração de processos. Tem muita coisa positiva na rotina mais ágil e prática oferecida pela  tecnologia  em seus novos portais de acesso. Assim caminha hoje a humanidade. Sem pausas e sem retrocesso.

O ponto para  manter a linha desse pensamento é prático também. Embora dispense os robôs por ora, para falar de humano pra humano. Aqui, entre nós!

Você deve ter visto a  cena na virada de ano, com milhares de pessoas registrando os fogos  num ponto turístico e ninguém, ninguém mesmo, se abraçando. Lindo de se ver, com todos aqueles celulares brilhando em direção ao céu iluminado. Mas, ops, pera ai... O Reveillon pós pandemia virou um Happy New Year individual e instagrâmico? A postagem ou o registro valem mais que o abraço de feliz ano novo? Pare o carro, quero descer.

 

Tudo bem uma foto e vídeo do céu flamejante. Quem nunca! Mas é de um contexto inteiro que desejo falar e buscar também tua opinião e reflexão. Será que depois de tanto ficar em casa, ao sair nos desplugamos da conexão viva para apontar o foco e mente em direção ao registro momentâneo? Quanto tempo e quanto custa esse tempo dedicado ao culto selfie? Tem uma epidemia invisível no ar?

 

Antes que eu não responda, deixa eu te dizer: dia desses, molhando as plantinhas no quintal,  e depois brincando com filhota no parque e correndo na pista sem fone e sem net, respirei tão fundo o ar puro da minha cidade que até estranhei. Oxigenei-me de simplicidade. Quando vi, tinha desligado, sem precisar me ausentar das obrigações. Antes que me enxergasse ainda mais em pedaços comecei a juntar cacos. Os que são meus e os que pertencem às vidas que são vida comigo. Partes de um mesmo quebra-cabeças, que também tem coração. Entre pandemias...

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Passarinho só



O ambiente de trabalho pode ser um lugar agradável, colaborativo e construtivo. Pode ser também um inferno; adoecedor. Ou ainda uma mistura do utópico com o distópico, sem levar a lugar algum. Permanecendo híbrido, com doses diárias de expectativa e outras tantas de frustração e ansiedade. Ora alegre e extrovertido, outras tantas uma bomba prestes a explodir. Afinal, é um ambiente com gente.

O que fazer para que a sensação de a-guerra-vai-começar-a-qualquer-momento se transforme em trincheiras aposentadas? Depende muito da visão dos gestores. Quem ainda enxerga o colaborador como um objeto com plaquinha de patrimônio terá muita dificuldade em melhorar ou mudar as coisas. E o pior: sem perceber já caminha a passos largos para a tragédia. Da marca, do serviço, dos clientes, ou contribuintes.

Mas, ao contrário do que muita gente pensa, essa mudança não está apenas nas mãos de quem dirige ou gerencia um setor. Público ou privado, vale lembrar.

Equipes, com suas respectivas lideranças, podem identificar mazelas, ambientes que adoecem e iniciar transformações a partir da base. Não, não é de greve ou motim que estou falando. Aqui a conversa é equilibrada. Com crença no poder do bem e das atitudes transformativas. Mentes capazes de se ver e rever o todo, agindo no sentido de fazer com que pequenas doses de amor diário alcancem e quebrem barreiras enrijecidas pelo antiquado modelo de comando e controle.

Antes que me aponte o dedo dizendo que falo isso porque não conheço o local onde trabalha, respire! Tem coisas e situações, entre família, torcedores, fieis, associados, cooperados, colaboradores e outros, que só mudam de endereço. Realidades e verdades ligadas a ambientes de trabalho doentes tem muito mais em comum do que podemos imaginar. Afinal, são ambientes com gente.

Por isso quem dirige e os que fazem parte de um modelo de rotina de trabalho precisam se converter, isso mesmo: se converter ao fato de que a produtividade, o crescimento, a melhoria, a satisfação passam pelo caminho da compreensão, escuta ativa, paciência, resiliência e respeito ao próximo. E sim, com a possibilidade, quase constrangedora, às vezes, de nutrir mudanças de mentalidade, palavras positivas, gratidão, gentileza, educação, companheirismo, doação e bondade.

Sendo esses, e outros muitos bons tópicos de dosagem humana, remédios amargos para que o processo de cura comece pelo pé, não pela cabeça. Por mais alto e envelhecido que o corpo possa estar.

Veja com quem está mais próximo ao teu convívio se não poderiam começar essa revolução do bem. Não para fechar as portas do bom senso e golpear o status quo. É de cultura de atitude que tratamos aqui. A mesma da figura do passarinho só... que não faz verão mas pode juntar-se a outros, melhorando e aquecendoo inverno de muitos.