quinta-feira, 13 de julho de 2017


Ovos mexidos

O jornal exibido logo cedo, na TV do café da manhã do hotel, acabou com o meu dia. Há muito tempo não desejava tanto estar em outro lugar, mesmo com fome, como aconteceu naquela manhã. E olha que tinha tudo para ser um lindo dia. Mala pronta para voltar pra casa, sol bonito lá fora, sensação de dever cumprido após uma cansativa viagem, mas, e sempre o mas vem seguido de um certo peso, a televisão invadiu o ambiente cheirando a pão torrado e ovos mexidos, para espalhar um aroma de dor e tristeza.

Os assaltos seguidos de morte, com uma avassaladora onda de aumento desse tipo de crime, era a manchete da hora. Os relatos emocionantes de pais e mães que perderam seus filhos de forma tão estúpida e violenta foram tão vivos, que me pareceu ser impossível digerir o dia. E não só aquele: qualquer dia. Não quis me revoltar com a busca por culpados, a impunidade, a fragilidade da lei, a falência do respeito ao próximo. Não foi isso que mexeu comigo.

Me vi paralisado com o garfo na mão. Uma xícara fumegando ao lado e aquele silêncio brutal dentro de mim. Me veio um vazio, um buraco, um abismo, um não-sei-o-quê de lamento. Percebi que não queria chorar essas tantas mortes. Quem os amava mais de perto já está fazendo isso. Meu desejo de não estar ali não se resumia a uma fuga. Óbvio que sei como é o país onde vivo e conhecer suas histórias faz parte dessa batalha que é estar aqui.

Eu não queria estar ali por conta da tristeza de não poder.

Queria não ouvir e ver logo cedo esse cenário monstruoso que vivemos, porque não acredito que estejamos aqui para isso.

E que grande merda é não acreditar e ao mesmo tempo ser pisoteado pela verdade das ruas.

Pois eu senti fome o dia todo. E ainda sinto agora. E não é de pão, nem de circo.


terça-feira, 4 de julho de 2017


Túnel do tempo


Quando eu era pequeno, a televisão era um tipo de deus. Acreditava tanto nela, que meus amigos imaginários tinham tudo a ver com o que brotava na telinha e caia dentro da sala. Mas não me lembro de ser uma crença assassina ou maléfica. Tudo era puro. O bandido e o mocinho dos tiros de brincadeira não morriam nunca. No máximo causavam um debate entre os amigos pra saber quem tinha sido atingido primeiro.

A magia dos filmes era tão grande e mexia tanto comigo quanto a do futebol. Só era duro assistir aos jogos entre equipes de camisa escura e calção parecido. A TV em preto e branco tornava os dois times praticamente iguais. Sem contar que a imagem oscilava e o som chiava. Sim, papai colocava Bombril muitas vezes na ponta da antena pra ver se melhorava...

Hoje a televisão ainda me fascina. Especialmente por conta do grande número de possibilidades que ela oferece e seu casamento com as demais mídias. Nem é mais só TV mesmo. A tela, do tamanho da palma da mão ou da parede de uma sala, virou um mundo de tudo um pouco.

Pena que ao mesmo tempo em que ainda consegue mexer com o mais íntimo da imaginação, tenha se tornado capaz de produzir tanta bobagem. Óbvio que aquela televisão dos meus heróis ali de cima também produzia conteúdo descartável. Sempre foi assim. Só que hoje ela lembra uma  casa de acumuladores desenfreados. Cada cômodo parece estar mais atulhado de lixo. E nem todo ele é reciclável.

Mesmo assim o prazer de segurar o controle remoto e zapear é grande. Melhor do que levantar e ter que trocar o canal, como no passado. Se bem que naquela época, eu  tinha menos vontade de mudar a programação.