quarta-feira, 31 de agosto de 2011



Roleta russa de bala doce
 
A sirene do serviço de emergência parecia soar ainda mais  alto.  Tive a impressão de que mais pessoas do que o  normal estavam aglomeradas para ver o que tinha acontecido. Incrível como na hora de um acidente aparece gente de todo lado. Dá a impressão de que são poucos os que  tem algo  a fazer de fato. Naquela manhã, eu também esqueci que tinha alguma coisa pra fazer...
 
Poucos segundos antes do ruído da freada e o barulho seco de uma pancada violenta, o garoto que vendia balas bateu na janela do meu carro. Recusei,  ao mesmo tempo em que sorri para ele. Amável, pequeno, sorridente, corria como um louco entra motos, caminhões e automóveis, como se sua pressa fosse ajudar no faturamento e o lucro de algumas moedas a mais.
Não sei ao certo como ele foi atropelado. Notei que a vítima era ele por causa da correria que surgiu logo após o som dos freios. Estacionei de qualquer jeito e fui direto ao encontro do menino. Desacordado e ensopado de sangue, havia sido atirado longe após o impacto.
 
A cena piorou por conta das duas irmãs e do irmão mais velho, chorando e tentando fazer algo para  socorre-lo. Ainda bem que vários celulares ao mesmo tempo, fizeram a mesma chamada. A ambulância do SAMU chegou em  poucos minutos. O motorista estava desesperado. Garantia não ter visto o menino. Ele apareceu do nada, como uma bala, explicava gaguejando para os policiais. Que salvaram sua pele. Não fossem eles, alguns mais exaltados teriam deixado mais  um ferido naquela hora.
 
Devidamente socorrido, o garoto foi levado ao hospital. A polícia se encarregou de encaminhar os irmãos e eu fiquei ali imaginando mil coisas: Quem daria assistência a eles? Onde moram os pais? Se é que eles  tem um casal em casa... O que pensar de uma sociedade onde crianças naquela idade, ao invés da sala de aula, estão em meio ao labirinto onde se respira fumaça??
 
O som estridente de uma buzina me despertou. Vi o sinal aberto e a criançada ainda estava ali, entre os carros. A cena do acidente foi imaginação minha! Viajei entre pensamentos e da sirene ao sangue, tudo tinha sido fruto da minha mente. Não sei se é porque quando temos filhos a gente pensa no pior para que o pior nunca aconteça, mas o certo é que fiquei tão preocupado com um menino  frágil em situação tão delicada, que acabei ouvindo, vendo e questionando mais do que devia. Ou  no  questionamento não exagerei tanto?

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Bom pra cachorro

Lilico foi um dos meus  heróis da infância. Não o personagem de  TV. De quem meus pais eram fãs. Mas o cachorro lá de casa. Cujo nome foi dado por causa do Lilico da telinha; engraçadíssimo com seu bordão no programa Balança  Mas Não Cai: “Alô Brasil...aquele abraço”, e mais tarde na Praça da Alegria, com o homem do bumbo cantando “ Tempo bom, não volta mais... saudade de outros tempos, de paz”.

Pois então, ele é quem inspirou o batismo do vira-lata mais inteligente e fascinante que tivemos. Protagonista de um dos episódios marcantes na vida da família. Pelo menos é assim que ainda enxergo.  Cada um vê  com a dimensão que a emoção permite e os olhos da alma alcançam.

Eu estava jogando bola no campinho ao lado de casa, coisa que  fazia até mesmo quando chovia, e de repente começou o alvoroço que havia quando a carrocinha aparecia no bairro. Os homens que recolhiam os cachorros na rua, eram os vilões que toda criança odiava. Ainda mais com as histórias de que os cãezinhos pegos sem coleira iam direto para a fábrica de sabão.
Curioso como os vira-latas  eram resistentes e cumpriam muito bem o seu papel de membro da família sem pedigree. E nosso Lilico era o cara. Interessante também como a liberdade deles era incrivelmente recompensada com sua fidelidade. Sem coleira. Era assim que  viviam. Não que elas fossem caras. Mas o vira-latas  que entrava pela cozinha como membro da casa era um ser livre. Mesmo tendo suas obrigações familiares. Por isso, para mim, a carrocinha era o carro do inferno.

Naquela manhã, quando a gritaria da meninada aumentou, meu precioso Lilico foi capturado. Levaram o xodó dos Domingues e meu grande amigo. Entrei em casa, chorei atrás da porta do quarto, como poucas vezes. Até que minha mãe gritou alto, num rompante de alegria que nem era comum em seu comportamento mais na dela mesmo. Lilico havia voltado. Correu para debaixo da cama, onde também corri para encher meu pequeno herói de beijos. As lambidas eram os beijos dele.

Poucos minutos depois um homem bateu em casa para falar com dona Paulina. Disse que era da carrocinha e que um dos cachorros havia conseguido levantar a tramela da porta do furgão fazendo com que todos os cães escapassem. A rua ficou cheia e os vilões teriam que recomeçar tudo de novo.
Como quem não tinha nada com isso, mas desconfiada de que o autor da façanha era o nosso Lilico, ela despistou, disse que estava preparando o almoço e voltou para dentro. Me contou o caso e rimos para a vida toda. Se de fato foi ele quem causou a lambança eu não sei dizer. Mas para mim foi! Meu herói e o maior de todos para a cachorrada do bairro. Tempo bom...

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Cada um no seu cada qual

Dia desses o computador pessoal fez aniversário. A informática, irmã mais velha dele, também assoprou dezenas de velinhas. Comemorei por várias razões. Você deve ter também as suas. No meu caso a principal delas é a facilidade em escrever. Não digo com relação ao talento na escrita. Algo que ainda estou procurando aprender e desenvolver com os grandes mestres. Eu falo de escrever mesmo. Com as teclas.

É que muito cedo, embora gostasse das palavras, demonstrei uma grande dificuldade em me tornar legível. Os garranchos do primário viraram letra de médico na juventude e dai em diante. Letra de médico: uma desculpa esfarrapada para letra feia. Virei jornalista e me acostumei a dizer que escrevia daquele jeito pois era só para eu entender mesmo. Outra saída para o fracasso na caligrafia.

O computador e seu teclado ajudaram esse escriba como salvadores da pátria. Claro que nem tanto no começo. Se carregar uma máquina de datilografia (alguns se lembrarão da Olivetti portátil) já era dava um trabalhão, imagina alguém por ai com um  486. Mas o notebook chegou, os tablets também e as teclas do smartpohne fazem  muito mais do que qualquer bilhete poderia imaginar. Especialmente no meu caso, em que recados escritos à mão geralmente precisam de um especialista.

Na mesma medida que o computador salvou minha letra, não tive cura para a incompetência em desenhar. Não sai nada. Absolutamente! Vejo, admiro e me deleito diante das obras de arte e aquela incrível leveza das linhas, cores, detalhes, mensagens. Fica por aí. Como se fosse alguém que adora uma música bem cantada, mas prefere dançar, igual ao pinguim do Happy Feet. Sou o pinguim e não pinto.

Na infância a única coisa que diziam que eu pintava era o sete. Frase que embora o Aurélio diga o que é,  ninguém sabe explicar como nasceu. Tudo bem! Eu desisti muito cedo. Quando a professora Nazira bateu na minha mão porque eu não conseguia desenhar uma manga, rompi com o desenho e com a fruta, de uma só vez. Se bem que de vez em quando eu sonho que estou produzindo uma tela, uma verdadeira obra de arte. De repente aparece um serzinho azul, do tamanho de três maçãs e sentencia: você não smurfa nada!!

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Maria ansiosa de graça

Pense numa pessoa ansiosa! Pois eu duvido que ela seja pior que a Maria das Graças. Maria desgraça, como ela mesma costumava se chamar, prevendo que algo ia dar errado ou se recriminando pelos defeitos do planeta todo. Das Graças era uma viúva, amiga de minha mãe, que acabava sendo a alegria da casa quando nos visitava, tamanha a expectativa que criava em cima de qualquer episódio. Até um exame de sangue rotineiro agendado para a manhã seguinte era motivo para um rosário de observações, medos e ansiedade. Meu Deus, dizia ela, e se a agulha estiver contaminada? E se a enfermeira errar a mão? E se chover logo cedo e eu atrasar? Vou ter que esperar horas... Perco o meu dia assim... Como se eu não tivesse mais nada para fazer, reclamava falando rápido, com sua metralhadora de palavras. Era a mais imitável das visitas lá de casa. Quando saia, as imitações eram inevitáveis. A turma ficava remedando ela, como se dizia naquele tempo...

De tanto ficar ansiosa, Das Graças ficou sabendo que o negócio podia ser uma doença. Leu em algum lugar e confirmou num programa de TV que ansiedade era um mal moderno. Se bem que quando eu era criança esse negócio de modernidade ainda era coisa pro futuro.  No fim das contas a vizinha estava mais antenada. Ao menos no que dizia respeito ao seu próprio umbigo e os males que lhe afligiam.
Certo dia entrou pela cozinha de casa e chamou minha mãe para um dedo de prosa. Ainda mais assustada do que de costume, veio avisar que sumiria por um tempo. Ficaria fora. Com o drama que lhe era peculiar, anunciou que estaria num local sem contato nenhum. Nada de telefonemas. Nem cartas (algo que se escrevia naquela época). Feitas as despedidas, com direito a choro alto, já que as duas adoravam  uma cena, de fato ela se foi...

Só soube muitos anos depois que a vizinha tinha ido fazer um tratamento para sua ansiedade. Se hoje em dia alguém fala que vai ao psicólogo já é taxado de maluco, imagina em meados dos anos 70. A vizinhança toda iria fofocar que Das Graças tinha ficado pinel. Por isso, para os demais,  a desculpa da viagem para ficar com parentes. Mas o fato é que  ela havia mesmo ido se tratar com especialistas. Se cadastrou  para um período de testes e novas experiências.
Quando minha mãe me falou isso, não tive atraso em perguntar. Como uma pessoa tão ansiosa aceitou se submeter a um tratamento que ninguém conhecia? Dona Paulina pensou, pensou, voltou pro café e resmungou alguma coisa como, a Das Graças se apaixonou pelo médico. Louca pelo doutor,  aceitou a proposta por completo. Casa, comida e divã...

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Que rainha sou eu?

Salomão Hayala morreu de novo. Na novela O Astro, em 1977, ele foi assassinado pelo personagem interpretado por Edwin Luisi. Ali  foi inaugurada a era do “Quem matou?”. Mais tarde seria Odete Roitmann. Depois virou coisa tão comum que já não parava mais o Brasil. Só que no meio dos anos 70, quando a sala de televisão era o mais sagrado dos  ambientes nas casas, a morte do milionário e a expectativa para saber quem era o assassino, mexiam com o imaginário de uma nação inteira. Novela, jornal e novela eram a sequencia ritual de cada noite em família. No domingo, o programa Os Trapalhões, às sete da noite, era outro dogma quase obrigatório.

Aliás, é bom que se diga,  os homens daquela época  gostavam de uma novelinha. Ou as mulheres já mandavam e nem sabiam. Embora o controle remoto fosse ainda coisa de ficção, o seletor, era esse mesmo o nome, ficava invariavelmente ligado no canal dos folhetins. Sim, novela pode ser chamada assim também! O que os autores imaginavam e escreviam, repercutia  nos salões de beleza, escritórios, escolas e botequins; as redes sociais da época... Apostas e brigas eram comuns, para tentar saber quem afinal de contas era o vilão e homicida.

Não apenas isso! Lembro-me bem do silêncio obrigatório quando começava Saramandaia. Novela que me dava o maior medo. Quando eu podia fugia da sala. A Mulher Gorda e o cara com formiga saindo do nariz me apavoravam profundamente. A música Pavão Misterioso ainda me causa arrepios. Os heróis de Irmãos Coragem, o romance de Selva de Pedra, a trama de Mulheres de Areia, a novidade da  Band com Ninho da Serpente, Os Imigrantes e mais tarde a Manchete com Pantanal, ou as doses de humor criativo na Globo com Que Rei Sou Eu, fizeram das novelas mensagens presentes na vida lá de casa. Ainda assim, não viciei. Nunca fui um noveleiro. Confesso que fiquei sabendo que o Edwin Luisi é importante personagem em Rebelde, da Record, quando li algo sobre Salomão Hayala ter morrido de novo; Agora parece que o assassino vai ser outro.

Curioso é que mesmo sem hoje ser programa obrigatório, nas mídias sociais, páginas on e off line, as novelas ainda dão o maior ti-ti-ti. E as fórmulas continuam as mesmas: Alguém amou, alguém matou, alguém morreu. No país onde a verdade parece mentira e o noticiario beira a ficção, Janete Clair seria presidente, ou presidenta, como queira.