segunda-feira, 12 de junho de 2023

Onde vivo com os monstros


 

Com o passar do tempo me descobri portador de dores que eu desconhecia. Não falo daqueles gemidos inevitáveis ao tentar fazer um movimento outrora mais leve, elástico e coreográfico. Essa dor já é anunciada, bate ponto todas as manhãs no estalar dos ossos. 

Me refiro a um outro tipo de incômodo dolorido. Tem mais a ver com a parte interior do interior, o oceano profundo do que imaginamos ser a vida.

Lá, nessa imensidão que a maioria desconhece, por não ter paciência para chegar, nem fôlego para alcançar, existem outras realidades nossas. Ali residem também quase todos os grandes medos, as criaturas da nossa insegurança, os recifes de coral dos nossos traumas. E o pior: num silêncio assustadoramente ruidoso.

Em determinados momentos da vida, por algumas circunstâncias que nos pegam meio de tanque vazio, acabamos afundando até esse mar profundo. Por incrível que pareça, um anestesiamento necessário nos faz enxergar naquela escuridão; respirar onde não parecia possível e até falar sem palavras.

Uma espécie de telepatia celestial, mesmo parecendo estar perto de um inferno.

Os bons mergulhadores entenderão...

E também, os que mesmo sem saber mergulhar até esse ponto da existência tiveram que bater o pé no fundo e tentar sair de volta. O que é como retornar de um sonho ruim, um mover de pés e mãos em conflito, num grito afogado.

Mas a gente sai. Volta à tona, nada  até  a praia, se auto socorre e não morre. Mesmo que paremos na areia seja de uma ilha deserta... é melhor do que cair num aquário.