quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Ensaio sobre as cegueiras

 


Nenhuma manifestação, em nenhum momento, sob nenhum argumento, deveria impedir um pai de levar o filho para um hospital numa emergência.

Tenho convicção de que a maioria dos brasileiros, estejam do lado que estiverem, ainda consegue ter uma dose de empatia suficiente para se imaginar numa situação assim.

Teu filho, tua filha...minhas filhas, dentro duma ambulância, a caminho de uma cirurgia para evitar uma cegueira?? O que você faria se por causa de um protesto alguém te dissesse não! daqui você não passa... que fique cego o teu filho??

A família que passou pelo lamentável episódio numa rodovia conseguiu encontrar um atalho na lavoura para chegar a tempo na unidade hospitalar.

Mas isso não muda a lente com a qual precisamos enxergar o fato.

Nenhum homem, pedaço de carne como eu e você, merece que transformemos a vida numa passagem sem sentido.

Lutemos, exijamos honestidade e verdade sempre. Façamos valer nossa vez e voz contra tudo o que não valoriza a vida e o futuro do teu filho, tua filha, minhas filhas...

Mas que a luta seja limpa, decente, baseada em propósitos com fundamentos e em fundamentos sólidos. Também conhecidos como argumentos baseados em provas e dados concretos.

Nossa bandeira tem dois lados, e a imagem neles é a mesma. Os limites de nosso território faz de todos um só povo, com crenças, torcidas, cores, opções, sonhos, pensamentos diferentes.

E nenhum deles, sob nenhum argumento, pode proibir um pai, uma mãe, de salvar o filho, a filha, as filhas...

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Crônica cascavelense

 

Antes que você me Cancelli, deixa eu contar uma história do tempo do Cascavel Velho.

Era  um  14 de Novembro e a Claudete, filha da Maria Luiza com o Periolo, se encantou por um rapaz. Não era um Universitário, como a família dela queria, e pra piorar adorava correr com um Maverick  ouvindo música Country. E não precisava de Interlagos não, qualquer barro era pista;  São Cristovão fazia jornada dupla pra proteger o rapaz. Mas, a Santa Felicidade de todos  é que o moço era gente boa. Sua família, de Pioneiros Catarinenses, chegou aqui na boleia de uma Brasília,  achando que na região só tinha Floresta e nada mais. Tudo bem que tudo ainda estava no começo,  não era assim  um Canadá, mas já dava pra ver que muito além de um Parque Verde esse lugar se tornaria um verdadeiro Recanto Tropical.  

Voltando pra nossa história, era um Santo, o Onofre pai dele. Paciente, sabia que o rapaz voava baixo, tipo um Santos Dumont sem asa, mas também era trabalhador. O serrote mais ligeiro do Brasmadeira, dizia sua mãe, dona Consolata. Da madeira ele fez seu pé de meia...

Quando a paixão da Claudete e do cowboy ficou incontrolável, o jeito foi deixar o casal juntar os trapos. Ele pediu a mão da moça debaixo de um Coqueiral, num Gramado perfeito, e garantiu que aquela aliança era mesmo Esmeralda. Pela divina Santa Cruz, foi capaz de jurar! Que o Centro do universo me castigue, exagerou; prometendo casa, comida e o aconchego de viverem numa região com um Lago bem grande, onde ainda faz frio, mas já não Neva, como antigamente.

Hoje? Ah hoje os netos estão por aí; moram no Parque São Paulo e Guarujá. E lembram sempre de uma uma frase que o vovô dizia: Isso tudo cresceu tanto, que parece uma cidade dentro da cidade...

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

No princípio era


Em inúmeros rios pelo mundo, diversas espécies de peixes fazem há milhares de anos, uma mesma longa jornada contra a correnteza. Desova e procriação, manutenção da espécie, estão no seu padrão genético. Elas o seguem, lutando contra a força das águas repetidas e repetidas vezes. Muitas foram extintas em função da chegada do homem, outas tantas conseguiram se adaptar, até mesmo às obras que drenam ou barram o mover natural nos rios, conseguindo se reinventar e chegar ao alvo todos os anos.


Que força é essa, que move a natureza no sentido de sobreviver e sem que percebamos manter junto com isso a nossa própria existência?


Muitos de nós, mesmo a caminho do metaverso, Matrix e outras filiais, ainda conseguimos manter um padrão de criação também. É ele que nos faz permanecer nadando com força contra a correnteza. Não que as águas estejam ou sejam sempre impuras, ou que haja algum problema com o rio. Embora isso também seja possível. A força contrária aqui está entrincheirada em uma série de outras possibilidades. Crenças, descrenças, opressão, modelos mentais enraizados, tabús, preconceitos, ódio, apego ao ter e não ao ser, ou simplesmente um desapego ao respeito e consideração ao planeta e seres que nele habitam.


Antes que pareça essa minha fala também uma correnteza, deixe-me explicar. Continuo percebendo em mim ainda o padrão genético da espécie em busca da nascente das águas. Cansado muitas vezes, ou assustado com a imensidão de uma barreira à frente, uma cascata avassaladora, a desistência e o me deixar levar já foram muitas vezes tentadores. Mas noto que o mover das barbatanas e o sentido de preservação e manutenção do que ainda nos resta, estão presentes no meu modo de pensar, respirar embaixo d’água.


E noto também, espécies da mesma espécie, embora aparentemente diferentes, também seguindo o mesmo fluxo; sem desistir. Apesar dos machucados nas escamas.


Te garanto que isso é animador!


E não é de céu que estou falando, por ora. É daqui mesmo, onde homens já imaginaram ser o centro do universo. O pão nosso de cada dia, sovado, suado e comido muitas vezes com sabor amargo, é de sonho, é de pó, é de barro, é de água, é de terra, é humano, é terráqueo, é terreno, por isso também é divino.


Nademos, portanto. Chegar ao nascedouro é recomeçar. E recomeçar é acreditar que a viagem vale a pena.


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