quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Aquarelas do Brasil

A situação do lugarejo era péssima. Faltava água, a luz durava pouco e emprego que era bom, virou artigo de luxo. As poucas famílias que ainda teimavam em viver ali, resmungavam o azar danado, entre uma ou outra lembrança de um tempo bom, que não voltava mais. A saudade dos filhos era o que mais apertava. A moçada tinha ido embora. Um ou outro, menos corajoso, ou mais desavisado, tinha ficado por aquelas paragens. Sombria, sem vida, a cidadezinha ia de uma missa a outra, de domingo a domingo, minguando como um postal amarelado.
De repente, aparece na praça da matriz um rapaz num carro lilás borboleta. O que já era muito pra se tornar notícia de primeira página, caso ali tivesse algum jornal ou algo parecido. Mas tudo andava tão devagar que até o satélite demorava mais tempo para identificar o lugar. Quando o moço abriu a porta, tirou os óculos brilhantes igual aos de artista de novela, ficou familiar. Era o Juca, filho da Anastácia, da mercearia.
Juca atravessou a rua, chamou pela mãe e foi um alvoroço. Fazia tempo que ele tinha saído pra estudar na cidade grande. Lá de vez em quando é que chegava uma carta ou outra, dizendo que tudo ia bem, no curso de Belas Artes. O que a população inteira não sabia direito do que se tratava. Sabiam que era coisa chique. Menos seu Zito, que insistia em afirmar que o filho da Anastácia tinha ido estudar pra virar boiola.
Pois até o Zito foi conferir de perto a nova estampa do rapaz. Beijos, presentes, explicações sobre a cor do carro, cheiro de perfume no ar e uma frase que espantou a todos. Juca tinha voltado pra ficar. Vai fazer o que o menino aqui nesse fim de mundo? Foi a frase mais falada na hora que se seguiu. Mesmo depois da explicação.
O rapaz tinha voltado com um projeto. Uma ideia na cabeça. Para a maioria uma maluquice, que não pegaria. Nada mais dava certo ali, acreditavam todos, com provas de sobra. Mas dona Anastácia acolheu emocionada tudo o que o Juquinha falava. Um bolo de fubá e uma boa xícara de café rechearam a primeira reunião que ele fez com uns quatro ou cinco que ainda permaneceram depois da surpresa inicial.
Na verdade o encanto passou quando Juca desandou a falar que iria colocar a pequena cidade no mapa cultural da região. Mapa cultural? Que diabo é isso? Conheço mapa de estrada, aquelas da quatro rodas, afirmou o filho do Zito; desconfiado de que o pai pudesse mesmo ter razão, e com umas pontas de inveja, por ter ficado lá e visto o colega voltar empavonado.
Mas o Juca arregaçou as mangas. Conseguiu uma área abandonada, com um galpão velho, e ali deu início ao projeto que havia planejado na faculdade: pintar as portas da e muros da cidade com obras de arte. Cada porta um quadro novo. Cada muro uma mensagem. Cada fachada um desenho. Dias depois alguns outros carros, gente ainda mais esquisita que ele, começaram a chegar na cidadezinha. A casa da Anastácia virou pensão. A praça da matriz estacionamento de carros e motos. O atelier, no galpão, virou escola. A criançada não via a hora de sair da aula pra se encontrar com os artistas. Havia cores no ar.
Em pouco tempo, Luzeiro das Almas saiu numa revista nacional. Como referência de um trabalho artístico que mudou o cenário local. Outros filhos voltaram. Nem todos artistas plásticos, mas todos muito orgulhosos. O Juquinha, bom menino, como mudara o discurso o seu Zito, fez de um sonho e latas de tinta, um novo lugar. Hoje tem turista de mundo todo. E artista disputando para pintar portas e paredes da cidadezinha. Mas agora é preciso esperar. O Hotel Anastácias só tem vaga pro ano que vem.