segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O escritor nunca morre


Sabe aqueles momentos em que você acha que está ficando louco? Passei por um desses e penso que quem ler vai mesmo dizer que estou ficando lelé da cuca. Fazer o quê? O jeito é contar a história e contar com a sorte de que  ninguém me mande pro Pinel. É que eu estava perto de uma estante de livros e ouvi uma voz. Ei! Psiu! Está me ouvindo? Olhei atentamente, procurei pelo quarto, não tinha ninguém. Decidi que era coisa da minha cabeça e resolvi sair. Outra vez a voz: Não está me ouvindo não? Ficou surdo ou está se fazendo de desentendido? Entrei na paranóia e respondi: Estou ouvindo sim, mas nunca tinha falado com uma estante. A resposta veio imediata: Não é a estante, sou eu, o  Moacyr...chega mais perto!!!
Moacir? Que Moacir?  Perguntei,  num tom que se equilibrava entre a emoção e a descrença. E a voz entre os livros respondeu: O Moacyr Scliar. Lembra que estive aí com você e o Fred, no Sempre Um Papo? Claro que lembro, respondi, já entrando na conversa como se falar com livros fosse a coisa mais natural do mundo. Pois então, estou me despedindo da turma toda; em português e nos idiomas que fui traduzido. Antes de ir escrever coisas celestiais, estou falando com os  que conheci e ajudaram a propagar a minha arte, para agradecer. Mas como eu mesmo dizia que o bom escritor é aquele que poupa o leitor dos diálogos, vou encerrando por aqui. Está bem? Era só para deixar um abraço e pedir que cuidem bem do que deixei, porque eu to indo para onde vão cuidar bem de mim.
Antes que eu pudesse pedir pra ele dar um abraço no filósofo paraense Benedito Nunes, que também se despediu dessa dimensão no último final de semana, a voz se foi por completo. O silêncio fez seu ruído habitual e novamente me senti sozinho. Sozinho e paralisado. O que é que tinha acontecido ali? O escritor gaúcho falou comigo em uma de suas paradas por bibliotecas, estantes e cabeceiras para deixar um último recado? Comigo só não, com leitores, amigos e fãs de várias partes do Brasil e do mundo. Só para dizer muito obrigado? Simplesmente incrível!  E ele nem me deixou falar que quem agradece somos nós. Pelas crônicas com que tratava o cotidiano, pelos romances e as histórias onde a vida tomava forma e ganhava força. Uma obra que ninguém poderá dizer que acabou. Está me ouvindo?