quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Eu acredito em sereias

Quando precisei levantar uns trocados a mais, pro orçamento de estudante não esvaziar antes que o mês acabasse, fui trabalhar na bilheteria de um teatro. Era noite de Sereias da Zona Sul, com Miguel Falabella e Guilherme Karan. Um sucesso de público em todo o país. Texto  genial, que reunia dois talentos que todo mundo queria ver. Era riso garantido. E em Curitiba, teatro, arte e cultura, são ingredientes que fazem transbordar qualquer sala de espetáculos.
E era aí que morava o perigo. Em 1988, quando isso aconteceu, comprar com cartão não era tão comum como hoje. Pagar via celular então era algo que nem a ficção científica conseguia imaginar. Ser caixa de bilheteria, em dia de show grande e lidando com grana viva, só poderia ser pior se o funcionário tivesse dificuldade com cálculos e troco. Exatamente o meu caso!
A fila dobrava o quarteirão, e tinha pressa. Estava frio e a chuvinha fina fazia a clientela esconder o sorriso atrás do cachecol. Nem o muito obrigado dava pra ouvir direito. Quando era falado, claro. Pior ainda era trabalhar sem luvas. Que dia aquele! Dentro de um cubículo, esperando o show começar logo pra poder tomar um chocolate quente.
Foi quando apareceu um casal que jamais esquecerei. Da loira eu só via um pedacinho da franja e os olhos azuis husky-siberiano. Belos e claros, quase transparentes. E ele era moreno, sorridente, nem parecia que tinha ficado um tempão esperando pelas vagas na fila D, poltronas 21 e 22.  Quase as últimas daquela sessão. Pagou, saiu com pressa para fugir do castigo da temperatura e se foi. Atendi mais alguns e na hora de fazer as contas, não bateu. Comecei a suar. A grana que faltava era meu pagamento do dia e mais um pouco. Contava com ela como quem conta com o prato cheio e a cama arrumada. O que foi que eu fiz? Que furada eu dei...
Quando eu já começava a falar sozinho, perguntando como iria fazer pra pagar o rombo, aparecem a loira e o cara. Queriam saber se eu não tinha sentido falta daquelas notinhas preciosas, que ele me apresentava entre as pequenas grades da bilheteria. Pra aumentar a minha esperança na humanidade, falou que contou o troco só depois. Quando já estava no restaurante com sua noiva, e percebeu meu furo, voltou imediatamente.
Agradeci muito. E eles agiram com a maior naturalidade. Recomendaram que eu fosse me aquecer logo e que me cuidasse bem. Iam esperar ali por perto a hora de começar o show. Naquela noite, pra mim,  o melhor espetáculo aconteceu lá fora.