quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Maria ansiosa de graça

Pense numa pessoa ansiosa! Pois eu duvido que ela seja pior que a Maria das Graças. Maria desgraça, como ela mesma costumava se chamar, prevendo que algo ia dar errado ou se recriminando pelos defeitos do planeta todo. Das Graças era uma viúva, amiga de minha mãe, que acabava sendo a alegria da casa quando nos visitava, tamanha a expectativa que criava em cima de qualquer episódio. Até um exame de sangue rotineiro agendado para a manhã seguinte era motivo para um rosário de observações, medos e ansiedade. Meu Deus, dizia ela, e se a agulha estiver contaminada? E se a enfermeira errar a mão? E se chover logo cedo e eu atrasar? Vou ter que esperar horas... Perco o meu dia assim... Como se eu não tivesse mais nada para fazer, reclamava falando rápido, com sua metralhadora de palavras. Era a mais imitável das visitas lá de casa. Quando saia, as imitações eram inevitáveis. A turma ficava remedando ela, como se dizia naquele tempo...

De tanto ficar ansiosa, Das Graças ficou sabendo que o negócio podia ser uma doença. Leu em algum lugar e confirmou num programa de TV que ansiedade era um mal moderno. Se bem que quando eu era criança esse negócio de modernidade ainda era coisa pro futuro.  No fim das contas a vizinha estava mais antenada. Ao menos no que dizia respeito ao seu próprio umbigo e os males que lhe afligiam.
Certo dia entrou pela cozinha de casa e chamou minha mãe para um dedo de prosa. Ainda mais assustada do que de costume, veio avisar que sumiria por um tempo. Ficaria fora. Com o drama que lhe era peculiar, anunciou que estaria num local sem contato nenhum. Nada de telefonemas. Nem cartas (algo que se escrevia naquela época). Feitas as despedidas, com direito a choro alto, já que as duas adoravam  uma cena, de fato ela se foi...

Só soube muitos anos depois que a vizinha tinha ido fazer um tratamento para sua ansiedade. Se hoje em dia alguém fala que vai ao psicólogo já é taxado de maluco, imagina em meados dos anos 70. A vizinhança toda iria fofocar que Das Graças tinha ficado pinel. Por isso, para os demais,  a desculpa da viagem para ficar com parentes. Mas o fato é que  ela havia mesmo ido se tratar com especialistas. Se cadastrou  para um período de testes e novas experiências.
Quando minha mãe me falou isso, não tive atraso em perguntar. Como uma pessoa tão ansiosa aceitou se submeter a um tratamento que ninguém conhecia? Dona Paulina pensou, pensou, voltou pro café e resmungou alguma coisa como, a Das Graças se apaixonou pelo médico. Louca pelo doutor,  aceitou a proposta por completo. Casa, comida e divã...