terça-feira, 19 de abril de 2011

Na hora, sem adeus

Foram poucas as vezes que ele teve vontade de sumir. Mas aos poucos aquela sensação de deslocamento o dominava. Nos dois sentidos: sentia-se deslocado e queria se deslocar para o mais longe possível. Começou até a comentar com um ou outro essa possibilidade. E era nessas horas que a certeza vinha com mais força. Os amigos não levavam a sério. Ou tinham como sério e prioridade os seus próprios problemas. O que é compreensível. Cada um no seu cada qual. O mundo está assim, ensimesmado.
Um dia, dirigindo entre buracos, lama e um trânsito terrivelmente mal educado, ele abriu a porta do carro e saiu...Sem rumo. Deixou o veículo ali  mesmo. Ainda ouviu uns palavrões ao fundo e umas buzinas que reprovavam o abandono da batalha em plena guerra pelo espaço apertado das ruas. Pra onde você vai? Seu desgraçado! Volta aqui! Você vai ver...
Andou até a saída da cidade, depois mais alguns quilômetros, carregando uma pastinha e se desfazendo da gravata e o nó que apertava mais do que sua garganta. Horas depois, o celular tocou. De casa alguém mandava uma mensagem para ele não esquecer de comprar pão, ração, mistura. O celular ficou por ali mesmo. Jogado num acostamento qualquer, para ser carregado pela chuva que começava a cair.
A caminhada foi longa. Ele só parou, ensopado e cansado, muito tempo depois, quando já era noite. Sua falta foi sentida. A polícia foi chamada. Ele nunca deixava de atender o celular. Chegava sempre na hora. Fazia tudo tão direitinho. Um homem assim não abandonaria tudo e todos. Só podia ter sido sequestrado. Se é que no caso de pobre a palavra sequestro serve também.
O problema é que até mesmo desaparecer hoje em dia é algo  complicado. O cartão de crédito denuncia, ainda mais quando está no limite. Com tanta mídia se enroscando por aí, fica ainda mais fácil descobrir por onde anda o desaparecido. Quando os policiais o encontraram, numa pequena pensão de uma cidadezinha do interior, não souberam o que fazer. Desistir de tudo não é crime. O jeito foi tentar uma conversa, convencê-lo de que voltar seria o mais certo.
Depois de muito tempo sem conseguir êxito, eles foram embora. O caso não era caso de polícia. E o rapaz parecia bem. Embora seu olhar permanecesse distante e a boca em silêncio...