quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Café com pão


Abri os olhos, despertado pelo cheiro. Um aroma delicioso invadiu meu quarto, como se estivesse me chamando com voz de mulher. E era uma voz conhecida, que eu não escutava há muito tempo. Vinha da cozinha. Era dona Josefa, minha avó, mãe de minha mãe. “Chama us minino... o café ta pronto e o pão eu preparei ainda agorinha. Essas criança precisa acorda cedo sô... sinão vão fica tudo priguiçoso. Cadê o Junin (eu). Ele num disse que tava morrendo de saudade desse meu café?”.

Apareci voando na cozinha. Cara amassada, de ontem. Parecia que eu tinha dormido na gaveta de toalhas, observou a dona Zéfa. Acha que eu liguei? Queria era o pão caseiro com manteiga Aviação e  a mais deliciosa xícara de café de todo o mundo. E que cheiro aquele, o do café da vó moído e servido no mesmo dia.  Se meu nariz falasse ia dizer que é melhor quer todos os perfumes que já passaram por ele.

Enquanto eu comia, ou melhor, devorava, notei que a luz era de um dia mais intenso  que o normal. A movimentação na casa lenta e suave, como uma melodia que chora,  mas sem voz e sem lamento. Fixei melhor os olhos, num intervalo entre fatias e goladas. Eu estava fora de onde moro agora. Não estava aqui. Estava onde?

Lá fora, pela porta da varanda, vozes se misturavam ao som de charretes e carroças. A simplicidade, a mistura de sensações,  me fizeram ver que eu estava na casa das férias da minha infância. Era eu e também o menino que ali passava os melhores dos seus dias. Queria correr lá pra fora, e ver se era mesmo meu pai que puxava conversa com o tio Onofre. 

Se o outro era meu avô Rosário, teimando em dizer que bom mesmo era o barco que ele tinha feito pro cumpádi Zeca. “Aquilo sim era bote bom. Igual aquele nem fazendo outros dez”. Além de fabricar barcos artesanalmente, esse meu avô, o marido da dona Zéfa, era um exímio produtor de arreios e produtos para montaria. 
Um artista!

Mas eu não consegui sair da cadeira. Ouvia os causos e as risadas, acelerava meu coração numa vontade louca de levantar e beijar cada um deles. Mas o café não esfriava, o pão não acabava, o tempo não passava. Quando tentei falar com eles  meus olhos se abriram de verdade. O quarto ainda estava escuro. Não havia café, nem mais aquela parte do meu passado favorito.

Levantei enxugando uma lagrimazinha teimosa que insistia em não acordar. Depois de conferir casa, família, gatos e a água da torneira. Agradeci. Não só por estar vivo, mas por ainda estarem vivos em mim, os  que amei e me amaram tanto.