domingo, 16 de dezembro de 2012

Espelho, espelho nosso




Comecei a arrumar  as malas para fazer uma viagem que não imaginava que faria. Depois de 11 anos em Rondônia, onde me reencontrei como ser humano, me  reconstruí como marido e pai e renasci como profissional, me vi diante de um espelho.  E não é um daqueles que nos deixam mais magros. Na verdade é um espelho mais parecido com o dos contos de fadas; ele fala.  E é mais ousado do que o da rainha má. Falou comigo sem eu ter perguntado nada. Não estava interessado em saber se existe alguém no mundo mais bonito do que eu. Até porque, com o passar do tempo essa pergunta fica perigosa demais.  
O espelho em questão, nem está num cômodo da casa. Na verdade eu o vejo nas pessoas. E enxergo como nunca antes. Se fixar os olhos, abrindo o coração, consigo ver e ouvir. E ao falar comigo ele  diz que não é a beleza, a fama, o status, o glamour ou o dinheiro, que devo procurar  no reflexo iluminado à minha frente. Preciso visualizar o ser humano. O que existe dentro de mim que não pode se perder. E o que existe fora de mim, que não posso fingir que não existe.
E é uma voz audível, facilmente identificável. Hoje, por exemplo, falou comigo enquanto assistia a um documentário do polêmico diretor Michael Moore. No filme  ele condena o sistema de saúde dos Estados Unidos, comparando-o ao da França, Canadá e até mesmo de Cuba. Onde, para espanto inclusive dos personagens reais,  conseguiu  atendimento médico de graça e salvou  a vida de alguns heróis do 11 de setembro, abandonados pela saúde pública norte-americana.  Uma película daquelas de arrancar lágrimas, indignação e pontos de interrogação.
Como estamos tratando nossos doentes?  Quem tem como pagar é uma casta superior? E os recursos bilionários que  deveriam servir para abastecer um sistema genuinamente público e saudável? Lá estava o espelho novamente me perguntando. 
Ao menos, disse a ele, para os pacientes que sofrem de câncer, inclusive milhares deles do Estado que me acolheu e aprendi a amar, existe uma resposta.  Mostro  homens e mulheres   amparados pelo Hospital de Câncer de Barretos. O mais humanizado  do Brasil. O lugar onde o “nós” é mais importante do que o “eu”.
Mas o espelho provoca, me  faz enxergar mais pessoas. Cutuca meu coração apontando milhares de crianças que necessitam da prevenção, do tratamento e da pesquisa. E, ora vejam, me diz que posso ajudar. Que devo!
Volto para minha mala. Observo a bagagem. Ela está repleta de histórias que levarei comigo. Em cada uma delas uma porção de sentimentos, episódios, pessoas, aprendizado. O mais lindo e poderoso de tudo isso é que consigo ver  minha família recomeçando. Onde o amor continuará acima de tudo... Acreditando que não estou louco, apesar de andar ouvindo espelhos.