Comecei
a arrumar as malas para fazer uma viagem
que não imaginava que faria. Depois de 11 anos em Rondônia, onde me reencontrei
como ser humano, me reconstruí como
marido e pai e renasci como profissional, me vi diante de um espelho. E não é um daqueles que nos deixam mais
magros. Na verdade é um espelho mais parecido com o dos contos de fadas; ele
fala. E é mais ousado do que o da rainha
má. Falou comigo sem eu ter perguntado nada. Não estava interessado em saber se
existe alguém no mundo mais bonito do que eu. Até porque, com o passar do tempo
essa pergunta fica perigosa demais.
O
espelho em questão, nem está num cômodo da casa. Na verdade eu o vejo nas pessoas.
E enxergo como nunca antes. Se fixar os olhos, abrindo o coração, consigo ver e
ouvir. E ao falar comigo ele diz que não
é a beleza, a fama, o status, o glamour ou o dinheiro, que devo procurar no reflexo iluminado à minha frente. Preciso
visualizar o ser humano. O que existe dentro de mim que não pode se perder. E o
que existe fora de mim, que não posso fingir que não existe.
E
é uma voz audível, facilmente identificável. Hoje, por exemplo, falou comigo
enquanto assistia a um documentário do polêmico diretor Michael Moore. No filme
ele condena o sistema de saúde dos
Estados Unidos, comparando-o ao da França, Canadá e até mesmo de Cuba. Onde,
para espanto inclusive dos personagens reais, conseguiu atendimento médico de graça e salvou a vida de alguns heróis do 11 de setembro,
abandonados pela saúde pública norte-americana.
Uma película daquelas de arrancar lágrimas, indignação e pontos de
interrogação.
Como
estamos tratando nossos doentes? Quem
tem como pagar é uma casta superior? E os recursos bilionários que deveriam servir para abastecer um sistema
genuinamente público e saudável? Lá estava o espelho novamente me
perguntando.
Ao
menos, disse a ele, para os pacientes que sofrem de câncer, inclusive milhares
deles do Estado que me acolheu e aprendi a amar, existe uma resposta. Mostro
homens e mulheres amparados pelo Hospital de Câncer de Barretos.
O mais humanizado do Brasil. O lugar
onde o “nós” é mais importante do que o “eu”.
Mas
o espelho provoca, me faz enxergar mais
pessoas. Cutuca meu coração apontando milhares de crianças que necessitam da
prevenção, do tratamento e da pesquisa. E, ora vejam, me diz que posso ajudar.
Que devo!
Volto
para minha mala. Observo a bagagem. Ela está repleta de histórias que levarei
comigo. Em cada uma delas uma porção de sentimentos, episódios, pessoas, aprendizado.
O mais lindo e poderoso de tudo isso é que consigo ver minha família recomeçando. Onde o amor
continuará acima de tudo... Acreditando que não estou louco, apesar de andar
ouvindo espelhos.