quarta-feira, 18 de maio de 2011

Cerca elétrica

Acordei melancólico!  Me vi nostálgico hoje, desde o momento em que escovei os dentes e  lembrei da pasta Kolynos, amarela e verde, do banheiro da minha infância. Quando entrei no carro, juro pra você que enxerguei um toca-fitas, daqueles que saiam inteiros do painel e a gente carregava, como se fosse um objeto de desejo ou um troféu. Era por segurança e tinha um charme lascado. Claro que apelei pro CD, o tocador  mais antigo que tenho à disposição no veículo. Mandei ver nas músicas que um dia já foram...

Não sou assim diariamente. Quem convive comigo sabe que gosto de estar antenado. Mídias sociais, avanços tecnológicos, interatividade, modernidade, fazem parte do modo de vida que abracei. Mas hoje, não sei se foi o sonho, ou alguém que vive em mim, acordei com saudade.
Quando dirigia em direção ao trabalho, a velocidade não foi a mesma da correria do dia a dia. Acelerei em paz. Recordando quando meu pai me ensinava a dirigir, em seu Opala Comodoro,  e insistia para que eu tirasse o pé da embreagem. Às vezes ele mesmo se abaixava e empurrava meu pé esquerdo para o lado. Use só na hora certa, na hora de trocar a marcha, dizia... E não corra! Queria me transformar num educado motorista urbano, preparado para as estradas da vida.

Quando cheguei ao trabalho, com meu lugar no estacionamento já ocupado, deixei pra lá. Achei um canto, tirei a mochila com o computador de bordo e fui para minha sala. No caminho, um bom dia aqui, outro ali, os comprimentos de praxe, parte da rotina que apontava para o hoje, o agora. Mas eu havia acordado ontem. Estava ainda com a sensação de que meu passado, de alguma maneira me chamava para trás. Como se fosse possível reverter a quilometragem já rodada.
Sentei, comecei a escrever a crônica da semana. Queria de algum modo fazer uma ligação direta com os aromas, as canções, os livros, os filmes, as pessoas, as imagens que um dia foram vivas. Mas temia porque podia ser algo só meu. O que tem o leitor a ver com minha nostalgia? E se ele disser que  o que importa são  suas próprias lembranças?

Que nada! Descansei de novo.  É que as lembranças se misturam. Temos muito em comum. A saudade de casa, a preguiça que despertava junto com o relógio que anunciava a hora da aula, o medo da velha de branco que atacava no banheiro da escola, o sítio do tio, a fome que dava no meio da tarde, a primeira vez que os olhos viram o mar, o retiro da igreja, o cigarrinho escondido no telhado de casa, o homem na lua, a bicicleta de natal, o beijinho de boca fechada, o barulho que o portão fazia.  Lembro bem daquele portão:  ele não tinha cerca elétrica.