quinta-feira, 24 de março de 2011

Crenças

Crenças

As coisas naturais tem que ser conhecidas antes de serem amadas. As sobrenaturais só chegam a ser conhecidas por aqueles que as amam. Rubem Fonseca

Não sei ao certo quando foi que ele começou a se interessar pelo sobrenatural. Se aconteceu por causa de um filme, um livro, ou programa de TV. Ou se foi resultado daqueles causos que o tio contava... histórias que serviam para deixar a molecada quieta nos quartos, tremendo de medo, arrepiada ao som de qualquer ruído. Nem sei também se o Luvanor entende tanto do assunto. Parece que sim. Ele fala sobre o além como se já tivesse visitado o outro lado. A voz cavernosa deixa os relatos ainda mais interessantes.
Mesmo assim tem pouca gente na família que aceita bem o seu trabalho. Por mais diga que parapsicologia é uma ciência, que em muitos lugares as experiências com psicosinese, telepatia, vida após a morte, gente invisível, sejam cada vez mais aceitas, os parentes refutam o trabalho do Luvanor. Alguns até o chamam de doutor, mas pelas costas falam cobras e lagartos. Se ele fosse tão bom com essas coisas iria saber o que a gente pensa e fala dele, dizem sem piedade.
Eu era ainda criança quando esse debate virou tema de novela em casa.
Pra piorar, a escolha pela profissão do Luvanor aconteceu bem na época do Uri Geller. Lembra dele? Aquele de entortava colher, parava relógios...
Nunca tive coragem de conversar com ele mais a fundo. Até o dia em que sonhei com um acidente de carro. Foi tão real e assustador que liguei logo cedo. Posso falar com você? É o filho da Nair, seu primo mais novo. Passei um susto tão grande que acordei todo suado, agitado, com um medo da morte que nunca vi. Preciso conversar com alguém.
Mesmo atarefado, agenda cheia na faculdade, no consultório e preparando o curso que daria num congresso em Buenos Aires, meu primo me recebeu prontamente. Ouviu minhas histórias, contou algumas com relatos parecidos, mostrou-me alguns livros e dedicou ao menos umas duas boas horas no bate-papo. No final, pediu que eu voltasse mais vezes. Queria aos poucos romper a muralha do preconceito que ele ainda via dentro de mim; uma herança de anos ouvindo sempre a mesma coisa. Sobre o inimigo íntimo, a ovelha negra, o ocultista, o desmiolado, o cara que podia ter sido um bom advogado, até mesmo um médico, quem sabe.
Luvanor ainda me garantiu que não cobraria nada. Desde que eu prometesse ouvir atentamente e aprender abertamente. Topei na hora. Para a semana já temos encontro marcado. A família quando soube decretou o juízo: Pronto, o Luvanor conseguiu enganar mais um. Também pudera, a Nair não educou direito esse menino...