quinta-feira, 31 de março de 2011

Sonho de goiabada

A mãe do César  não deixava a gente passar manteiga dos dois lados do pão. Aliás, nem sei de onde tirei mania mais esquisita. Era mais manteiga com pão do que pão com manteiga. Na casa dele, casa de gente rica, a turminha tinha que se comportar mais. À mesa, quando era servido o lanche, ou quando o convite era pra ficar pro almoço ou jantar. Na casa dele cada refeição era uma explosão de fartura e sabores. Acho que foi lá que comi meu primeiro filé à parmeggiana. Pra quem participava do sorteio do bife, filé era quase uma experiência.
Foi lá também que vi, na Copa de 74, a primeira imagem colorida numa televisão. Juntou  tanto menino            que minha beiradinha ficou pela janela mesmo. Baixinho e mais fraco que a maioria, tive que me desdobrar para assistir um pouco do jogo. Foi quando vi a grama verde, os uniformes coloridos, os detalhes das câmeras no show de cobertura na Alemanha, que me apaixonei de vez pelo futebol. A partir dali os jogos no campinho da esquina ficaram ainda mais emocionantes. A molecada parecia extasiada com a novidade. Via jogos em cores e depois imitava os craques no nosso estádio de imaginação.
Pena que ali a mãe de César não deixava ele ir. Se quisesse jogar com a gente, tinha que ser na casa dele. Sim, ele tinha uma quadra de futebol no quintal. De vez em quando a gente brincava lá. Mas eu sentia que meu amigo queria mesmo era ir pro campinho. Depois tomar uma limonada lá em casa, comer um pão feito por minha mãe, ou um bolinho de chuva. Nas poucas vezes que escapou e conseguiu me visitar, ficou louco pelo sonho de goiabada que a dona Paulina fazia.
Curiosamente, nem sei por qual razão, o César foi o único amiguinho com quem briguei. Fomos pro sopapo mesmo. Depois disso não nos falamos mais. Não que a gente não tivesse se perdoado... Nossa amizade aguentava as brigas. Mas me disseram que a mãe do César não queria que ele andasse com menino que briga na rua...